sexta-feira, 30 de março de 2012

Reforma da Saúde: o juiz decide

Depois de transitar por diversos tribunais inferiores, a reforma do sistema de Saúde norte-americano, a maior vitória legislativa da presidência de Barack Obama, chegou, finalmente, ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Agora, os nove juízes da mais alta instância jurídica do país irão decidir se a Obamacare é ou não constitucional. Mais que uma disputa jurídica, esta é uma contenda política, com vastas consequências, em especial em ano de eleições presidenciais.

No debate no Supremo Tribunal, o ponto mais discutido desta lei tem sido o individual mandate, ou seja, o facto de a reforma da Saúde obrigar todos os cidadãos americanos a comprar um seguro de saúde, algo que os conservadores consideram ser uma intromissão do Estado na liberdade pessoal do indivíduo. Nestas audiências, tem dado que falar o "argumento dos brócolos", que aponta para o precedente criado por esta lei: "se o Estado pode obrigar alguém a comprar um seguro de saúde também pode obrigar o cidadão a comer brócolos".

Num tribunal altamente politizado, ou não fossem os seus juízes nomeados pelo Presidente, é esperado que os juízes liberais votem favoravelmente e que os juízes conservadores optem por votar contra a healthcare reform. Assim, o tradicional fiel da balança do Supremo Tribunal, o juiz Anthony Kennedy, nomeado por Ronald Reagan pode desempenhar, uma vez mais, o papel de voto decisivo nesta contenda. Mas, pelo que se tem percebido das suas perguntas e intervenções no debate com o Solicitador-Geral dos EUA (que representa o Governo em audiências no Supremo Tribunal), Kennedy deverá estar mais inclinado a rejeitar a reforma da Saúde.

Contudo, resta ainda uma outra esperança para a Administração Obama. O Chief Justice, John Roberts, que pontualmente também já alinhou com a facção liberal do Tribunal (maioritariamente acompanhando a decisão de Kennedy, resultando isso numa votação de 6-3), estará, diz-se, a ponderar a possibilidade de votar a favor da Obamacare, esperando apenas por um bom argumento para que possa justificar essa sua decisão. Ora, o Solicitador Geral, Donald Verrilli, poderá ter arranjado o argumento que Roberts procurava para poder votar a favor da reforma da Saúde. Ao destacar a singularidade da questão da Saúde, visto que todos os cidadãos são consumidores de serviços de Saúde, quer tenham seguro ou não. Assim, como quem não tem seguro de saúde necessita de dispendiosos serviços de saúde, nomeadamente nas urgências hospitalares, essa factura acaba sempre por ser paga pelos consumidores de seguros de saúde, através de prémios mais altos.

A decisão final relativamente a este processo ainda deve demorar algumas semanas, mas é certo que o resultado terá um grande impacto na corrida eleitoral de 2012. É ainda difícil dizer que desfecho interessa a quem, porque, por exemplo, em caso de revogação da reforma da Saúde, isso tanto pode prejudicar Obama, que vê a sua peça legislativa mais marcante ser anulada pela poder dos tribunais, como ser-lhe favorável, ao motivar e mobilizar o eleitorado democrata para as eleições de Novembro. Seja qual for a decisão do Supremo Tribunal, a verdade é que os nove juízes da mais alta instância jurídica dos Estados Unidos terão, uma vez mais, realizado uma opção com base na sua ideologia política, em vez de terem tomado uma decisão baseada na Lei. E isso não pode ser bom para ninguém.

3 comentários:

  1. «Seja qual for a decisão do Supremo Tribunal, a verdade é que os nove juízes da mais alta instância jurídica dos Estados Unidos terão, uma vez mais, realizado uma opção com base na sua ideologia política, em vez de terem tomado uma decisão baseada na Lei.»

    É uma acusação muito grave, João. Provas?

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  2. Octávio, não preciso de provas para sustentar a minha opinião. Mas o facto de estas decisões com maiores implicações políticas, como, por exemplo, o Floridagate, resultarem frequentemente numa divisão dos votos entre os juízes conservadores e liberais, é uma boa evidência que se tratam, de facto, de decisões políticas e não jurídicas. E isto dá para os dois lados da barricada. Não concorda comigo?

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  3. Não, João, não concordo consigo. E, sim, você precisa de provas para sustentar a sua opinião. E não as tem. No fundo, o que você está a dizer é que os tribunais não são mais do que prolongamentos dos parlamentos, logo, que são dispensáveis; que os juízes não são capazes de apreciar casos sem terem exclusivamente em consideração as suas inclinações ideológicas. É uma perspectiva preocupante, mas a que não vou dar (por agora) muito crédito devido à sua juventude e à sua ingenuidade. E garanto-lhe que não é por eu ser marido de uma juíza que penso desta maneira.

    O «Floridagate»... que não foi «gate»... não é um exemplo disso. George W. Bush ganhou mesmo na Flórida em 2000... e ponto final. Tenho memória de o New York Times ter conduzido a sua própria investigação... e ter chegado à mesma conclusão. Ora, se até o NYT concorda que Bush ganhou...

    Eu é que lhe vou dar uma prova (entre várias possíveis) de que a ideologia não substitui (pelo menos, nem sempre) a independência dos magistrados: «Roe vs. Wade», já ouviu falar? Há 40 anos o Supremo Tribunal de então deliberou que era legal (constitucional) a práctica do aborto (até um certo período de tempo). E pode ter a certeza de que nessa altura, mesmo para juízes tendencialmente democratas, a IVG era «progressismo» a mais.

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