quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Obamacare: a luta continua

A passagem de uma história lei que reformou o sistema de saúde norte-americano foi a maior vitória do primeiro mandato de Barack Obama na Casa Branca e constituirá, muito provavelmente, o principal marco da presidência do antigo Senador pelo Illinois. A aprovação do Affordable Care Act, nome oficial da legislação que ficou mais conhecida como Obamacare, foi em Março de 2010, mas hoje, três anos e meio depois, continua ainda no centro da discussão política dos Estados Unidos.
Esta semana, esteve em destaque o Senador republicano Ted Cruz, que discursou, de forma ininterrupta, durante mais de 21 horas, no Senado, utilizando uma espécie de filibuster para evitar que a câmara alta do Congresso, dominada pelos democratas, votasse para derrubar uma proposta aprovada pela Câmara dos Representantes, sob controlo republicano, que retiraria os fundos governamentais necessários para a manutenção do Obamacare.
Ted Cruz, eleito em 2012 pelo Estado do Texas, é uma figura em ascenção no GOP e um potencial candidato presidencial em 2016. Com esta acção, o jovem senador ganhou reconhecimento nacional, mas, por outro lado, tornou-se uma figura controversa. Para os seus apoiantes, como os libertários e o Tea Party, o épico discurso de Ted Cruz foi um acto heróico e uma firme demonstração de defesa das suas convicções. Já para os seus detractores, foi apenas uma manobra publicitária desprovida de qualquer objectivo prático, visto que, mais tarde ou mais cedo, a votação seria realizada.
As reacções aos discurso de Cruz demonstram bem a enorme polaridade causada pela reforma da saúde. Três anos volvidos, a histórica peça legislativa continua a dividir opiniões. Obama e os democratas achavam que a reforma iria ganhar apoiantes à medida que as pessoas iam assimilando as vantagens do novo sistema. Contudo, as sondagens indicam que o aumento de popularidade do Obamacare é, no máximo, muito tímido. Não obstante, não deixa de ser verdade que uma curta maioria dos norte-americanos não vê com bons olhos as repetidas tentativas republicanas de reverter a lei que criou a reforma do sistema de saúde. Além disso (ou por causa disso), mesmo no seio do GOP se começam a levantar vozes contra a insistência do partido em combater o Obamacare, com alguns republicanos a temerem que a perservança seja entendida pelos eleitores como  radicalismo, o que, numa altura em que o GOP é cada vez mais criticado por estar sob "sequestro" da sua ala mais radical, não é algo que interesse ao partido de Lincoln.
No fim de contas, não será muito legítima esta batalha contínua em torno de uma legislação já em vigor há algum tempo e que já foi (indirectamente) sufragada nas urnas. Como recordou esta semana o senador republicano John McCain, a reforma da saúde foi um dos temas centrais da campanha presidencial do ano passado que, como se sabe, resultou na vitória de Barack Obama. Assim sendo, e devendo respeitar-se a vontade popular, que preferiu o candidato que originou e defendeu com unhas e dentes (e até deu nome) a reforma, o Obamacare é a law of the land e deverá ser respeitada, mesmo não se concordando com ela.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

A Síria e o mundo nas mãos do Congresso

No início da sua carreira política, Barack Obama começou a ganhar notoriedade quando, em 2002, e contra a opinião generalizada na época, se opôs publicamente à intervenção norte-americana no Iraque. Mais tarde, por ocasião da sua candidatura à Casa Branca, em 2008, essa posição foi-lhe muito útil para estabelecer uma verdadeira diferença face a Hillary Clinton, que havia votado a favor da guerra no Senado.
Agora, onze anos e um Prémio Nobel da Paz depois, o Presidente dos Estados Unidos está do lado contrário e defende a intervenção do país num conflito armado, mais precisamente na Síria. Há umas semanas atrás, Obama havia limitado a sua acção ao afirmar que a utilização de armas químicas por parte do regime de Bashar al-Assad era o limite que, se fosse ultrapassado, obrigaria os Estados Unidos a intervir militarmente no conflito.
Com o uso de gás Sarin por parte das forças leais ao regime sírio, que os norte-americanos alegam estar comprovado inequivocamente, Obama foi forçado a agir. Numa primeira instância, os Estados Unidos procuraram o tradicional apoio britânico, que lhes foi negado após a rejeição da intervenção britânica por parte da Câmara dos Comuns. Ainda assim, outros aliados, como a França de François Hollane, parecem dispostos a colocar-se do lado dos norte-americanos.
Contudo, quando tudo parecia encaminhar-se rapidamente para a intervenção dos Estados Unidos e dos seus aliados, Obama decidiu, de forma algo surpreendente, solicitar a autorização do Congresso para a utilização das forças armadas norte-americanas na Síria. Esta é uma prática prevista na Constituição, mas que caiu em desuso desde que Harry Truman entrou na Guerra da Coreia sem autorização do Congresso. Esta decisão de Obama terá sido, provavelmente, inflenciada pela opinião pública norte-americana (a esmagadora maioria defendia a consulta do Congresso) e também pelo que sucedeu no Reino Unido. 
É agora incerta a decisão do Congresso dos Estados Unidos. Há dúvidas e resistências à intervenção norte-americana em ambos os partidos, mas a maior dor de cabeça para a Casa Branca são os repblicanos da Câmara dos Representantes. John Kerry e Chuck Hagel, respectivamente Secretários de Estado e da Defesa dos Estados Unidos, estão a utilizar toda a sua influência para garantir o maior número de votos e contam ainda com o apoio de republicanos proeminentes como John McCain, que já referiu que uma recusa por parte do órgão legislativo seria "catastrófico". Todavia, a ala libertária do GOP, liderada pelo Senador Rand Paul, parece decidida a colocar muitas dificuldades à autorização do uso da força pelo Presidente.
Sendo incerta a resposta do Capitólio a este pedido presidencial, vislumbram-se já algumas consequências importantes resultantes da decisão de Barack Obama em solicitar a autorização do Congresso para a intervenção militar na Síria. Em primeiro lugar, reverte-se a tendência que parecia imparável desde a II Guerra Mundial de reforço do poder presidencial. Com o precedente aberto por Obama, é provável que, no futuro, seja mais díficil para um Presidente norte-americano intervir num conflito externo sem consultar previamente o órgão legislativo. 
Em segundo lugar, o debate no Congresso deixa a nú a divisão que reina actualmente no seio do Partido Republicano. Outrora o partido tough on foreign relations por excelência, com uma maior tendência para o uso do hard power, o GOP está agora a braços com um facção libertária que acredita no isolacionismo cada vez mais influente e que afasta o partido do rumo seguido nos últimos anos. 
Assim sendo, se o voto da Congresso for no sentido de negar ao Presidente o uso da força, então Rand Paul e os seus correligionários libertários darão uma extraordinária demonstração de força. Contudo, colocarão em causa o poder e a influência dos Estados Unidos no mundo e, com a China e a Rússia à espreita para se assumirem como líderes planetários, isso não pode ser positivo para o mundo ocidental.