quarta-feira, 7 de julho de 2010

A 2ª emenda

A segunda emenda à Constituição dos Estados Unidos da América é o aspecto mais controverso do documento histórico que foi a Bill of Rights. Nesse aditamento, os founding fathers americanos estabeleceram o direito à posse e porte de armas de fogo, de forma a manter-se uma "milícia bem regulada, necessária para a segurança de um estado livre".

Apesar de na altura a medida parecer razoável como forma da nova nação americana manter uma força militar considerável, enquanto não formava um exército regular profissional estabilizado, a verdade é que ainda hoje (quase) todos os americanos têm o direito de possuir armas de fogo, a maioria deles sem qualquer tipo de regulação ou mesmo necessidade de registarem as suas armas - apenas 6 dos 50 Estados da União têm leis que obrigam ao seu registo. Depois, a definição da palavra "guns" é, actualmente, bastante mais larga do que há 220 anos, abrangendo, agora, armas de assalto, algumas delas com lançadores de granada que, obviamente, muito dificilmente poderão ser consideradas armas de defesa pessoal.

Estas questões dividem a sociedade norte-americana, mas a maioria dos cidadãos dos Estados Unidos defende a manutenção da liberdade garantida pela 2ª emenda. A nível político, os democratas tendem a favorecer medidas restritivas ao porte de armas, enquanto os republicanos defendem a liberdade de se possuir armas, como forma de defesa das famílias. Assim, não admira (apesar desta não ser a única razão) que os Estados Unidos sejam o país com mais mortalidade (entre homicídios, acidentes e suicídios) relacionada com armas de fogo, a larga distância da concorrência neste ranking infeliz.

Depois, há uma grande panóplia de pequenas questões em redor deste tema, como as variantes na liberdade de porte de arma visível ou escondida. Recentemente, aconteceram alguns casos caricatos, como os activistas de defesa da 2ª emenda que frequentavam os cafés da cadeia Starbucks com a sua arma bem à vista ou com a aprovação, hoje mesmo, de uma lei no Estado do Lousiana, assinada pelo Governador Bobby Jindal que permitirá o porte de armas de fogo nos locais de culto religioso, com a justificação que esta medida irá auxiliar os crentes que vivem em locais mais perigosos a deslocarem-se até à sua igreja, mesquita ou sinagoga.

Para nós, europeus, este é um dos aspectos mais estranhos e singulares da sociedade americana, como o são o basebol ou a fast-food, mas é preciso contextualizar este fenómeno com a história da América (veja-se o seu processo de independência da coroa britânica) e com a identidade cultural dos norte-americanos, tradicionalmente desconfiados do poder do Estado e contando consigo mesmos para zelar pelos seus interesses e pela sua própria defesa pessoal.

4 comentários:

  1. Era das coisas que mais me fascinava quando lá vivi: ir a um hipermercado, à secção de armas, admirar a quantidade de poder de fogo em exibição como máquinas fotográficas. Uma vez, do alto dos meus 17 anos, perguntei ao funcionário que que era preciso para comprar uma Colt. A resposta: Driver's license. E mais nada. Para um Europeu, é como aterrar em Marte.

    Note no entanto que no documentário "Bowling for Columbine", o Michael Moore argumenta que o Canadá, apesar de ter mais armas por habitante que os EUA, tem uma taxa de mortalidade por arma de fogo muito mais baixa, pelo que a relação entre os dois não é tão linear como se pensa.

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  2. Boa história, sintomática do que é a relação dos americanos com as armas.

    Apesar de não ser esse exactamente esse o argumento do Michael Moore (os EUA são, de muito longe, o país com mais armas por habitantes), concordo consigo e por isso tive o cuidado de dizer que a facilidade com que os americanos adquirem armas não é a única explicação para o grande número de mortes com armas de fogo nos EUA. Mas sobre este assunto, e goste-se ou não da personagem, o aconselhável é mesmo ver ou rever o tal "Bowling for Columbine".

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  3. De onde é a fonte que é maior índice de mortalidade com armas de fogo? De onde se tirou isso? Muito pelo contrário!!! Os EUA tem 5 homicidios para 100 mil habitantes e o Brasil 27 homicidios por 100 mil habitante e as leis que dificultam e proibem o Brasileiros ja dura mais de 10 anos!!! A propria ONU disse que não há relação de numeros de armas com mortes, diga-se de passagem a Swissa;onde 99% da população tem armas de fogo e teve ano passado 24 homicidios no ano inteiro!

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  4. Em primeiro lugal quero dar-lhe os parabéns pelo blog, Sr. João Luís.

    É um espaço extremamente informativo, acompanhado de um design simples mas impecável.

    Dito isto, gostaria de fazer duas breves correções ao seu texto.

    O senhor escreveu:

    "a definição da palavra "guns" é, actualmente, bastante mais larga do que há 220 anos"

    Correcto. Mas, na verdade, a palavra utilizada no Bill of Rights é "arms" e não "guns":

    "Guns" refere-se a pistolas, revólveres e outros projécteis de fogo, enquanto que "Arms" engloba as já referidas mas também facas, espadas, granadas, bastões, soqueiras, etc.

    O senhor escreveu:

    "Assim, não admira (apesar desta não ser a única razão) que os Estados Unidos sejam o país com mais mortalidade (entre homicídios, acidentes e suicídios) relacionada com armas de fogo, a larga distância da concorrência neste ranking infeliz."

    Uma vez mais está correcto. No entanto, seria extremamente importante e de boa fé se o senhor tivesse sublinhado que, ao contrário do nosso polúido senso comum, os estados americanos com MENORES restrições à posse de arma por parte de cívis são os estados que apresentam MENORES taxas de criminalidade.

    Referente ao ano de 2009, eis a minha evidência:

    http://www.csmonitor.com/USA/Society/2009/1223/More-guns-equal-more-crime-Not-in-2009-FBI-crime-report-shows.

    O documentário do Michael Moore, "Bowling for Columbine", é EXTREMAMENTE tendencioso, motivado por uma clara e desenvorgonhada agenda "liberal" e, qualquer pessoa com dois dedos de testa, não o leva a sério depois da propaganda anti-americana que foi o "Fahrenheit 9/11".

    Uma nação que não granjeie aos seus cidadãos a possibilidade de porte de arma, arrisca-se a que o monopólio das armas fica a cargo de crimosos e do Estado (por vezes, é difícil diferenciar entre os dois, para ser honesto).

    O factor "deterrement" é essencial para travar a criminalidade: um criminoso pensa sempre duas ou três vezes antes de assaltar quando este sabe que a sua vítima tem o estatuto legal para se defender.

    Obviamente que esta lei da 2ª Emenda pode ser abusada (como tudo o resto, claro está) mas, estatísticamente (e recuso-me a debater este assunto com quem está munido somente de anedotas pessoais e opiniões infundadas), uma família ou uma propriedade está mais protegida se auxíliada pela liberade do uso de arma para defesa pessoal.

    Uma vez mais, parabéns pelo blog.

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