Kamala Harris conseguiu, neste ciclo eleitoral, deixar cair a imagem de fraca campaigner com que saiu da campanha de 2020 e revelou ser uma boa candidata que animou a base democrata a partir do anúncio da sua candidatura. Sem falhas nem gaffes, apostou numa campanha de vibes, tentando capitalizar o entusiasmo que a sua candidatura suscitou. Apresentou-se como a concorrente challenger e baseou a sua campanha numa mensagem de esperança e mudança - "Yes, we Kam" -, apesar de ser a actual vice-presidente. Esta estratégia não é disparatada, tendo em conta a impopularidade de Joe Biden e o clima anti-incumbência que se tem sentido um pouco por todo o mundo nos últimos tempos. Além disso, concorre contra um antigo presidente, com quase 80 anos, pelo que pode ser que consiga capitalizar com esta estratégia delineada pelo seu staff, composta por um misto de operativos da sua equipa, da de Biden e até de antigos staffers de Barack Obama.
Terá também apostado numa campanha menos centrada em políticas, porque, na verdade, os dois grandes temas que dominam a agenda são favoráveis a Trump e ao GOP - a economia e a imigração. Se sobre esta última é um facto que os democratas, por opção ou por incapacidade, não controlaram o aumento da imigração para os Estados Unidos, já a situação económica é mais uma questão de perceção do que de realidade, visto que a economia americana apresenta indicadores bastante positivos. Seja como for, Kamala Harris e os democratas optaram por centrar as suas atenções nas questões do aborto e da defesa da democracia, com a primeira a ser o seu grande trunfo eleitoral, nomeadamente junto das mulheres mais jovens, que têm reforçado a sua preferência pelos democratas desde a revogação da Roe v Wade.
Estas opções por parte de Harris parecem ter tido alguma repercussões na sua coligação eleitoral. As sondagens têm apontado para uma certa erosão do voto democrata nos negros e nos hispânicos (cada mais suscetíveis a mensagens económicas), mas que pode ser compensado por uma maior percentagem de voto no eleitorado branco, em especial das mulheres e daqueles que têm estudos superiores. No que ao colégio eleitoral diz respeito, isso podem ser más notícias para Kamala no Sul (Georgia) e no Oeste (Nevada e Arizona), mas boas notícias no Midwest (Michigan, Wisconsin e Pennsylvania) e ainda na North Carolina.
Por sua vez, Donald Trump realizou uma campanha à sua imagem. Ao contrário de Kamala Harris, que contou com inúmeros surrogates, fossem eles do mundo da política (os Obama, os Clinton, ou o próprio Biden) ou do showbusiness (Bruce Springsteen, Oprah, Jennifez Lopez, Beyoncé, etc.), a campanha de Trump foi um one man show, como não podia deixar de ser. Apesar da idade, Donald Trump andou por todo o país e participou em dezenas de eventos e comícios, alguns com várias horas de duração, ainda que, nalguns casos, tenha demonstrado algum cansaço e falta de concentração.
Ao seu jeito, e talvez de forma ainda mais agressiva do que em 2016 e 2020, Trump não perdoou os seus opositores no trilho da campanha e os seus discursos foram, não raras vezes, chorrilhos de insultos, acusações e ameaças para os democratas e para quem o criticou ou, apenas, não o apoiou. Ainda assim, actualmente, e de acordo com as sondagens, Trump já não é tão impopular como nas duas últimas campanhas. Para isso, terá contribuído a tentativa de assassinato a que sobreviveu, que o tornou mais humano aos olhos dos eleitores e o facto de os americanos já se terem habituado ao perfil do candidato republicano.
Como os eleitores parecem ter boas recordações do mandato de Trump na Casa Branca, associado ao período pré-inflação, o concorrente do GOP aposta forte nesse tema, prometendo reduzir o custo de vida e melhorar a situação económica do país, ainda que faça promessas, como a de aumentar as tarifas de importação, que suscitam muitas dúvidas e possam mesmo ser contraproducentes. Também o controlo da imigração tem estado no centro da sua mensagem de campanha, ou não fosse esse o tema original de Trump que o levou ao topo do Partido Republicano. Porém, desta vez, o anterior build that wall endureceu e transformou-se num discurso bem mais xenófobo e mesmo racista, como ficou patente no recente comício de Trump no Madison Square Garden, em Nova Iorque, onde um comediante afecto ao GOP apelidou Porto Rico de "lixo".
Apesar de todos os defeitos e excessos de Trump, muitos eleitores parecem continuar a contar com ele para melhorar a sua situação económica. São principalmente eleitores rurais e da classe trabalhadora sem estudos superiores - os blue collar workers. Muitos deles podem nem sequer gostar de Trump, mas acreditam no discurso isolacionista do America First e têm esperança que a América rural e industrial regresse aos seus tempos áureos.
Por outro lado, Donald Trump tem sido relativamente bem sucedido no apelo ao eleitorado hispânico, que nas últimas décadas era um bastião democrata. Contudo, muitos deles são small business owners e a mensagem económica de Trump soa-lhes de forma favorável. Além disso, cada vez mais são já imigrantes de segunda ou terceira geração, pelo que o discurso pró-imigração dos democratas já não lhes é tão próximo, quando não é, até, contraproducente.
No fim de contas, ambas as campanhas tiveram uma coisa em comum: falaram principalmente para o seu eleitorado. Numa América totalmente dividida politicamente, esta campanha não serviu para curar feridas ou fazer pontes entre os dois lados da barricada. Porém, daqui a poucos dias, um deles sairá obrigatoriamente vencedor e sabermos, nessa altura, qual das campanhas foi mais eficaz e alcançou o seu objectivo. Mas, até lá, ainda há muitos eleitores para cortejar e, numa corrida tão renhida, todos os votos contam.
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