Assim, podemos muito bem estar a assistir a um fenómeno chamado de herding. Ora, o herding acontece quando as empresas de sondagens escondem resultados que se desviem do consenso ou alteram mesmo os seus estudos para que se aproximem daqueles que são esperados e apontados pelas outras empresas. Desta forma, as empresas de sondagens defendem-se de outliers nos seus estudos que afectem negativamente a sua reputação e façam o seu rating descer, mas evitam que o público e os analistas se apercebam de possíveis surpresas ou de mudanças na dinâmica da corrida. Além disso, a ausência de outliers, mesmo que não passem disso mesmo, prejudicam os modelos agregadores de sondagens, que vivem de médias e precisam de ser "alimentados" por todos os tipos de sondagens, outliers ou não.
E porque é que decidi escrever agora sobre isto? Precisamente porque saiu ontem a muitíssimo reputada sondagem do Des Moines Register, um jornal do Iowa, sobre a corrida neste estado, onde Trump venceu por nove pontos em 2020. Sob condução de Ann Selzer, esta sondagem é sempre esperada com grande expectativa, especialmente antes do caucus do Iowa, pois tem um histórico praticamente infalível na previsão de resultados do estado. Por exemplo, em 2020, esta sondagem indicou Trump na frente no Iowa por 7% (venceria por 8%), quando a maioria das sondagens mostravam a corrida bem mais equilibrada e parecia que Joe Biden rumava para uma eleição relativamente fácil. Em Junho, a sondagem de Selzer mostrava Trump na frente por 18% e, em Setembro, essa vantagem diminui para uns já surpreendentes 4%, tendo em conta que o Iowa tem virado à direita nos últimos anos e se esperava que fosse terreno seguro para o candidato republicano.
Ora, ontem à noite, Ann Selzer publicou a sua última sondagem sobre o Iowa antes da eleição e os resultados mostraram uma vantagem de Kamala Harris de três pontos percentuais sobre Donald Trump! Esta notícia caiu que nem uma bomba na campanha e podemos, agora, especular se o herding está ou não a esconder-nos uma potencial vantagem da democrata na corrida que as empresas não nos estão a querer mostrar com medo de estarem erradas. Este é um cenário ainda mais plausível quando nos lembramos que as sondagens subvalorizaram os resultados de Trump nas duas últimas eleições presidenciais e que, por isso, as empresas de sondagens querem, a todo o custo, evitar cair no mesmo erro.
Claro que esta sondagem pode não passar de um outlier, até porque seria uma grande surpresa se Kamala Harris vencesse no Iowa, depois de Biden ter aí perdido por 8%. Isso significaria um ganho de onze pontos para os democratas, algo que não é muito comum acontecer, especialmente no actual clima polarizado da política norte-americana. Ainda assim, temos de dar muito crédito a Ann Selzer, pois não cedeu ao herding e mostrou-nos um resultado totalmente fora do esperado e do consenso das outras sondagens (ainda ontem, outra sondagem mostrou Trump na frente no Iowa por 4%).
O passado diz-nos que não devemos apostar contra Ann Selzer, que conhece o Iowa como ninguém e raramente ou nunca falha, mesmo quando vai contra a corrente das restantes sondagens. Será interessante perceber se, nos próximos dois dias, surgem mais algumas sondagens "fora da caixa" encorajadas pelo resultado do Des Moines Register. Se tal não acontecer, poderá ser um sinal de que esta sondagem é apenas um outlier. Todavia, só iremos ter a certeza disso daqui a dois dias. Até lá, eu confio em Ann Selzer.
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