quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Vitória para Donald Trump

Donald Trump bateu as suas melhores expectativas e conseguiu uma grande vitória que o fará regressar, a 20 de Janeiro do próximo ano, à Casa Branca para um novo mandato como presidente dos Estados Unidos. Ao que tudo indica, Trump venceu os sete battleground states e ameaçou mesmo estados que pareciam seguros para os democratas, como a Virginia ou o Maine. Além disso, terá também ganho o voto popular, algo que o GOP tinha conseguido apenas uma vez (George W. Bush, em 2004), nos últimos 36 anos. A juntar à Casa Branca, o Partido Republicano consegue ainda o controlo do Senado, onde, a esta hora, conta já com 51 assentos, número que deverá crescer à medida que os votos forem contados. Neste momento, a única dúvida diz respeito ao controlo da Câmara dos Representantes, que pode ainda cair para qualquer dos lados. 

A vitória clara de Donald Trump parece ter a economia como razão principal e os homens hispânicos e as mulheres brancas como os dois grupos demográficos fundamentais. A inflação dos últimos anos, que agora já voltou a números normais, terá estado na origem da derrocada dos democratas nos battleground states. Ironicamente, a administração Biden (e, consequentemente, a vice-presidente Kamala Harris) foi castigada nas urnas pelos efeitos secundários da cura que aplicaram à economia norte-americana na consequência da depressão causada pela pandemia da Covid-19. Apesar dos bons indicadores da economia - desemprego historicamente baixo, inflação sob controlo e a bolsa em alta -, os eleitores norte-americanos não esqueceram o trauma dos meses de grande inflação e recordam positivamente o primeiro mandato de Trump no que diz respeito ao seu poder de compra. 

Neste momento, apenas alguns lugares na Câmara dos Representantes separam Donald Trump e o GOP do controlo total do governo federal dos Estados Unidos. Se juntarem as duas câmaras do Congresso à Casa Branca, os republicanos terão controlo do poder executivo e legislativo, além de contarem com uma maioria de juizes conservadores no Supremo Tribunal. A mais alta instância judicial federal pode ainda ficar com um maior pendor conservador, pois é bem possível que os dois juizes conservadores mais velhos optem por se reformar durante o mandato de Trump por forma a ser um republicano a nomear os seus sucessores. Se assim for, e com o Senado em mãos republicanas, nada impedirá Donald Trump de nomear dois juízes conservadores ainda jovens para garantir o controlo conservador do Supremo Tribunal nas próximas décadas. Dessa forma, a revogação da Roe v Wade pode ser apenas o primeiro ponto na agenda conservadora dos juizes de direita do Supreme Court

À hora que escrevo, Kamala Harris ainda não concedeu a derrota, mas deverá fazê-lo durante ao dia de hoje. A administração Biden/Harris, ao aceitar a derrota e ao realizar uma pacífica transferência de poder, como foi (quase) sempre norma na história dos Estados Unidos, marcará a diferença relativamente ao comportamento de Trump há quatro anos e começará duro período de oposição a uma administração Trump que promete ser ainda mais radical do que a anterior, com possíveis pesadas consequências para a Ucrânia, para as relações transatlânticas e até para a própria economia dos Estados Unidos, se ideias como a aplicação de tarifas forem para a frente. 

2024 foi um ciclo eleitoral como nenhum outro anterior e revelou-se uma verdadeira montanha-russa de emoções até culminar numa vitória de Donald Trump, de forma até mais fácil do que era previsível. Ao mesmo tempo que este ciclo termina, um novo começa. Em 2028 há mais. 

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Vamos conhecer hoje o vencedor da eleição?

É improvável que venhamos a saber hoje (ou na madrugada de amanhã, para quem está do lado de cá do Atlântico), quem sairá vencedor da corrida pela Casa Branca. Prevendo-se uma eleição muito equilibrada, como as anteriores, poderemos ter de esperar até amanhã, ou mesmo mais alguns dias, até termos a certeza do resultado final. Isto porque a maior parte dos sete battleground states não terminará hoje a contagem dos boletins de voto e, havendo pequenas diferenças entre os candidatos, não será possível determinar os vencedores nesses estados.

Dos sete estados que se esperam serem decisivos na eleição, apenas a North Carolina e a Georgia deverão terminar hoje a contagem dos votos de forma a ser definido um vencedor nesses estados e mesmo isso não é garantido. Assim, e como nesses dois estados Trump está obrigado a vencer, parece-me que, caso Kamala Harris triunfe num deles, poderemos, ainda hoje (madrugada de amanhã), ficar com uma forte indicação de que será a democrata a garantir a eleição. Se o candidato do GOP vencer ambos, a disputa continuará nos estados do midwest e do Oeste que demoram mais tempo a contar todos os votos.

Outra hipótese é existir uma surpresa num qualquer outro estado que conta os votos rapidamente e que se pensa estar garantido para um dos lados. Por exemplo, se Harris vencer no Iowa ou no Ohio, ou se Donald Trump ganhar na Virginia, isso seria um tremendo sinal que a corrida estaria inclinado para a democrata, no primeiro caso, ou para o republicano, no segundo. Dessa forma, ficaríamos com uma nítida imagem do desfecho ainda nas primeiras horas da contagem dos votos.

Todavia, o mais provável é que se repita o cenário de 2020, quando apenas no sábado seguinte à eleição se oficializou o vencedor, e que não fiquemos a conhecer o vencedor ainda na noite eleitoral (hora local). Desta vez, porém, não é expectável que se demore tanto tempo, dado que, quatro anos depois, os diversos estados norte-americanos melhoraram os seus procedimentos, além de não atravessarmos, agora, um período pandémico, pelo que acredito que talvez amanhã possamos conhecer o vencedor destas eleições. 

Horários de fecho das urnas

Chegou, finalmente, o dia de todas as decisões. Os norte-americanos vão hoje às urnas (os que não o fizeram antecipadamente) para escolher o próximo presidente dos Estados Unidos. Como em Portugal teremos de fazer noitada para acompanhar a divulgação dos primeiros resultados, aqui ficam os horários, segunda a hora portuguesa, de fecho das urnas ao longo da noite e madrugada (os battleground states estão a negrito):

23:00: A maior parte do Indiana e metade do Kentucky;

24:00: A maior parte da Florida; o resto do Indiana, o resto do Kentucky, Georgia, South Carolina, Virginia

00:30: Ohio; North Carolina; West Virginia; 

01:00: New Hampshire, Alabama, Connecticut, o resto da Florida, Illinois, a maior parte do Kansas, Maine, Maryland, Massachusetts, a maior parte do Michigan, Mississippi, Missouri, New Jersey, a maior parte do North Dakota, Oklahoma, Pennsylvania, Delaware, Rhode Island, metade do South Dakota, Tennessee, a grande maioria do Texas, D.C.;

01:30: Arkansas;

02:00Arizona, Colorado, o resto do Kansas, Louisiana, o resto do Michigan, Minnesota, Nebraska, New Mexico, New York, o resto do North Dakota, o resto do South Dakota, o resto do Texas, Wisconsin, Iowa e Wyoming;

03:00: Parte do Idaho, Montana, Nevada, parte do Oregon e Utah;

04:00: Califórnia, o resto do Idaho, a maior parte do Oregon e Washington (estado);

05:00: Alaska e Hawaii.

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

As minhas apostas


Ora aqui está a minha previsão para o mapa eleitoral da corrida presidencial de 2024. Como se percebe, a minha aposta é que Kamala Harris será a próxima presidente dos Estados Unidos, conquistando 308 votos eleitorais face aos 230 amealhados por Donald Trump, e tornando-se a primeira mulher a presidir aos domínios da nação norte-americana. 

Prevejo que a candidata democrata vença em seis dos sete battleground states, apenas deixando o Arizona escapar para a coluna republicana. Sei que é uma aposta arriscada e não a faria há uma ou duas semanas, mas existem alguns sinais de que as sondagens estarão, desta vez, a subrepresentar o apoio à nomeada do Partido Democrata, que deverá ainda ganhar no voto nacional por cerca de quatro pontos percentuais relativamente a Trump.

Para alcançar este resultado, acredito que Kamala Harris consiga aumentar significativamente a participação eleitoral dos jovens e das mulheres, dois grupos que votarão em maior número do que as empresas de sondagens antecipam e que apoiarão, maioritariamente, a candidata democrata. Com o tema do aborto e da saúde da democracia americana a prevalecerem sobre a preocupação da situação económica que começa, agora, a mostrar sinais mais evidentes do seu bom desempenho, Harris manterá a coligação que, há quatro anos, elegeu Joe Biden, composta por eleitores urbanos, com educação universitária, mulheres, afro-americanos e hispânicos, ao mesmo tempo que melhorará o desempenho junto das mulheres brancas, um segmento essencial para a dimensão do seu triunfo.

Apesar de eleita para a Casa Branca, Kamala Harris terá de saber ultrapassar um Congresso não totalmente alinhado com a sua agenda política, pois prevejo que o Senado passe a ser controlado pelos republicanos, ainda que pela margem mínima. Com muitos lugares em terreno difícil para defender, os democratas, apesar de aguentarem assentos em corridas complicadas no Wisconsin, Michigan, Ohio, Pennsylvania, Arizona, Nevada e Pennsylvania (ajudados pelo desempenho acima do esperado de Kamala Harris que alavancará os restantes candidatos democratas), não serão capazes de segurar os lugares na West Virginia e no Montana, perdendo, assim, a maioria na câmara alta. 


Em sentido inverso, acredito que os democratas inverterão o cenário actual na câmara baixa do Congresso e conquistarão a maioria na Câmara dos Representantes. Nesse caso, também Hakeem Jeffries faria história ao tornar-se o primeiro negro a servir como Speaker of the House. Também empurrados pela "onda" de apoio a Kamala Harris, os democratas ficarão, ainda assim, com uma curta margem de manobra, pois não deverão contar com mais de uma dezena de congressistas de vantagem relativamente ao GOP.

Fica, assim, feita a minha previsão final para a muito antecipada noite e madrugada eleitoral. Que não falte café para nos manter acordados numa jornada que se antecipa longa, mas interessante e, até, emocionante. 

As previsões finais


Estamos na véspera do grande dia (noite e madrugada) e, por isso, está na altura de passar em revista as últimas previsões. Mais tarde, como não poderia deixar de ser, farei a minha aposta final.

FiveThirtyEight

Hipóteses de vitória: Trump 53% - Harris 46%

Votos eleitorais:  Trump 297 - Harris 241

The Silver Bulletin

Hipóteses de vitória: Trump 50,4% - Harris 49,2% 

Votos eleitorais: Trump 287 - Harris 251 

The Economist

Hipóteses de vitória: Harris 50% - Trump 50%

Votos eleitorais: Harris 270 - Trump 268

Real Clear Politics

Votos eleitorais: Trump 287 - Harris 251 

Larry Sabato's Crystal Ball

Votos eleitorais: Harris 276 - Trump 262

Cook Political Report

Votos eleitorais: Harris 226 - Trump 219 - Toss up 93

Como se vê, o equilíbrio é a nota dominante e se a eleição for, como se prevê, muito renhida e decidida por poucos votos eleitorais, as sondagens e os modelos de previsão terão motivos para cantar vitória. Contudo, se assistirmos a uma surpresa e um dos candidatos ganhar de forma relativamente confortável, então as sondagens terão voltado a falhar e ficarão (ainda mais) debaixo de fogo. Seja como for, já não falta muito para sabermos a resposta a esta questão. 

Closing arguments: Donald Trump

Closing arguments: Kamala Harris

domingo, 3 de novembro de 2024

Estarão as sondagens a esconder uma surpresa?

Nas últimas semanas, todos ouvimos (e eu escrevi) que a corrida entre Kamala Harris e Donald Trump está completamente empatada. As sondagens são unânimes em apresentar diferenças entre os candidatos nos battleground states sempre dentro das margens de erro e mesmo as sondagens nacionais mostram um empate ou uma curta vantagem da concorrente democrata. Contudo, alertado por alguns especialistas, como Nate Silver, estranho sempre quando 99% das sondagens mostram exactamente a mesma coisa, pois pelo menos uma em cada vinte deveria falhar e mostrar um resultado outlier - por exemplo, Trump a vencer no Michigan por cinto pontos percentuais.

Assim, podemos muito bem estar a assistir a um fenómeno chamado de herding. Ora, o herding acontece quando as empresas de sondagens escondem resultados que se desviem do consenso ou alteram mesmo os seus estudos para que se aproximem daqueles que são esperados e apontados pelas outras empresas. Desta forma, as empresas de sondagens defendem-se de outliers nos seus estudos que afectem negativamente a sua reputação e façam o seu rating descer, mas evitam que o público e os analistas se apercebam de possíveis surpresas ou de mudanças na dinâmica da corrida. Além disso, a ausência de outliers, mesmo que não passem disso mesmo, prejudicam os modelos agregadores de sondagens, que vivem de médias e precisam de ser "alimentados" por todos os tipos de sondagens, outliers ou não.

E porque é que decidi escrever agora sobre isto? Precisamente porque saiu ontem a muitíssimo reputada sondagem do Des Moines Register, um jornal do Iowa, sobre a corrida neste estado, onde Trump venceu por nove pontos em 2020. Sob condução de Ann Selzer, esta sondagem é sempre esperada com grande expectativa, especialmente antes do caucus do Iowa, pois tem um histórico praticamente infalível na previsão de resultados do estado. Por exemplo, em 2020, esta sondagem indicou Trump na frente no Iowa por 7% (venceria por 8%), quando a maioria das sondagens mostravam a corrida bem mais equilibrada e parecia que Joe Biden rumava para uma eleição relativamente fácil. Em Junho, a sondagem de Selzer mostrava Trump na frente por 18% e, em Setembro, essa vantagem diminui para uns já surpreendentes 4%, tendo em conta que o Iowa tem virado à direita nos últimos anos e se esperava que fosse terreno seguro para o candidato republicano.

Ora, ontem à noite, Ann Selzer publicou a sua última sondagem sobre o Iowa antes da eleição e os resultados mostraram uma vantagem de Kamala Harris de três pontos percentuais sobre Donald Trump! Esta notícia caiu que nem uma bomba na campanha e podemos, agora, especular se o herding está ou não a esconder-nos uma potencial vantagem da democrata na corrida que as empresas não nos estão a querer mostrar com medo de estarem erradas. Este é um cenário ainda mais plausível quando nos lembramos que as sondagens subvalorizaram os resultados de Trump nas duas últimas eleições presidenciais e que, por isso, as empresas de sondagens querem, a todo o custo, evitar cair no mesmo erro. 

Claro que esta sondagem pode não passar de um outlier, até porque seria uma grande surpresa se Kamala Harris vencesse no Iowa, depois de Biden ter aí perdido por 8%. Isso significaria um ganho de onze pontos para os democratas, algo que não é muito comum acontecer, especialmente no actual clima polarizado da política norte-americana. Ainda assim, temos de dar muito crédito a Ann Selzer, pois não cedeu ao herding e mostrou-nos um resultado totalmente fora do esperado e do consenso das outras sondagens (ainda ontem, outra sondagem mostrou Trump na frente no Iowa por 4%). 

O passado diz-nos que não devemos apostar contra Ann Selzer, que conhece o Iowa como ninguém e raramente ou nunca falha, mesmo quando vai contra a corrente das restantes sondagens. Será interessante perceber se, nos próximos dois dias, surgem mais algumas sondagens "fora da caixa" encorajadas pelo resultado do Des Moines Register. Se tal não acontecer, poderá ser um sinal de que esta sondagem é apenas um outlier. Todavia, só iremos ter a certeza disso daqui a dois dias. Até lá, eu confio em Ann Selzer. 

sábado, 2 de novembro de 2024

As campanhas

Estamos mesmo na recta final da campanha presidencial nos Estados Unidos e a indefinição mantém-se sobre quem ocupará a Sala Oval a partir de 20 de Janeiro do próximo ano. Todas as sondagens continuam a mostrar um grande equilíbrio, especialmente nos sete battleground states que decidirão a corrida. Entretanto, decorre voto antecipado e cerca de um terço do eleitorado já terá depositado o seu boletim de voto. Contudo, as campanhas continuam e intensificam a sua mensagem e o seu alcance, tentando, por todos os meios chegar aos (poucos) eleitores indecisos e convencer os seus apoiantes a irem às urnas. 

Kamala Harris conseguiu, neste ciclo eleitoral, deixar cair a imagem de fraca campaigner com que saiu da campanha de 2020 e revelou ser uma boa candidata que animou a base democrata a partir do anúncio da sua candidatura. Sem falhas nem gaffes, apostou numa campanha de vibes, tentando capitalizar o entusiasmo que a sua candidatura suscitou. Apresentou-se como a concorrente challenger e baseou a sua campanha numa mensagem de esperança e mudança - "Yes, we Kam" -, apesar de ser a actual vice-presidente. Esta estratégia não é disparatada, tendo em conta a impopularidade de Joe Biden e o clima anti-incumbência que se tem sentido um pouco por todo o mundo nos últimos tempos. Além disso, concorre contra um antigo presidente, com quase 80 anos, pelo que pode ser que consiga capitalizar com esta estratégia delineada pelo seu staff, composta por um misto de operativos da sua equipa, da de Biden e até de antigos staffers de Barack Obama.

Terá também apostado numa campanha menos centrada em políticas, porque, na verdade, os dois grandes temas que dominam a agenda são favoráveis a Trump e ao GOP - a economia e a imigração. Se sobre esta última é um facto que os democratas, por opção ou por incapacidade, não controlaram o aumento da imigração para os Estados Unidos, já a situação económica é mais uma questão de perceção do que de realidade, visto que a economia americana apresenta indicadores bastante positivos. Seja como for, Kamala Harris e os democratas optaram por centrar as suas atenções nas questões do aborto e da defesa da democracia, com a primeira a ser o seu grande trunfo eleitoral, nomeadamente junto das mulheres mais jovens, que têm reforçado a sua preferência pelos democratas desde a revogação da Roe v Wade.

Estas opções por parte de Harris parecem ter tido alguma repercussões na sua coligação eleitoral. As sondagens têm apontado para uma certa erosão do voto democrata nos negros e nos hispânicos (cada mais suscetíveis a mensagens económicas), mas que pode ser compensado por uma maior percentagem de voto no eleitorado branco, em especial das mulheres e daqueles que têm estudos superiores. No que ao colégio eleitoral diz respeito, isso podem ser más notícias para Kamala no Sul (Georgia) e no Oeste (Nevada e Arizona), mas boas notícias no Midwest (Michigan, Wisconsin e Pennsylvania) e ainda na North Carolina. 

Por sua vez, Donald Trump realizou uma campanha à sua imagem. Ao contrário de Kamala Harris, que contou com inúmeros surrogates, fossem eles do mundo da política (os Obama, os Clinton, ou o próprio Biden) ou do showbusiness (Bruce Springsteen, Oprah, Jennifez Lopez, Beyoncé, etc.), a campanha de Trump foi um one man show, como não podia deixar de ser. Apesar da idade, Donald Trump andou por todo o país e participou em dezenas de eventos e comícios, alguns com várias horas de duração, ainda que, nalguns casos, tenha demonstrado algum cansaço e falta de concentração.

Ao seu jeito, e talvez de forma ainda mais agressiva do que em 2016 e 2020, Trump não perdoou os seus opositores no trilho da campanha e os seus discursos foram, não raras vezes, chorrilhos de insultos, acusações e ameaças para os democratas e para quem o criticou ou, apenas, não o apoiou. Ainda assim, actualmente, e de acordo com as sondagens, Trump já não é tão impopular como nas duas últimas campanhas. Para isso, terá contribuído a tentativa de assassinato a que sobreviveu, que o tornou mais humano aos olhos dos eleitores e o facto de os americanos já se terem habituado ao perfil do candidato republicano. 

Como os eleitores parecem ter boas recordações do mandato de Trump na Casa Branca, associado ao período pré-inflação, o concorrente do GOP aposta forte nesse tema, prometendo reduzir o custo de vida e melhorar a situação económica do país, ainda que faça promessas, como a de aumentar as tarifas de importação, que suscitam muitas dúvidas e possam mesmo ser contraproducentes. Também o controlo da imigração tem estado no centro da sua mensagem de campanha, ou não fosse esse o tema original de Trump que o levou ao topo do Partido Republicano. Porém, desta vez, o anterior build that wall endureceu e transformou-se num discurso bem mais xenófobo e mesmo racista, como ficou patente no recente comício de Trump no Madison Square Garden, em Nova Iorque, onde um comediante afecto ao GOP apelidou Porto Rico de "lixo". 

Apesar de todos os defeitos e excessos de Trump, muitos eleitores parecem continuar a contar com ele para melhorar a sua situação económica. São principalmente eleitores rurais e da classe trabalhadora sem estudos superiores - os blue collar workers. Muitos deles podem nem sequer gostar de Trump, mas acreditam no discurso isolacionista do America First e têm esperança que a América rural e industrial regresse aos seus tempos áureos. 

Por outro lado, Donald Trump tem sido relativamente bem sucedido no apelo ao eleitorado hispânico, que nas últimas décadas era um bastião democrata. Contudo, muitos deles são small business owners e a mensagem económica de Trump soa-lhes de forma favorável. Além disso, cada vez mais são já imigrantes de segunda ou terceira geração, pelo que o discurso pró-imigração dos democratas já não lhes é tão próximo, quando não é, até, contraproducente. 

No fim de contas, ambas as campanhas tiveram uma coisa em comum: falaram principalmente para o seu eleitorado. Numa América totalmente dividida politicamente, esta campanha não serviu para curar feridas ou fazer pontes entre os dois lados da barricada. Porém, daqui a poucos dias, um deles sairá obrigatoriamente vencedor e sabermos, nessa altura, qual das campanhas foi mais eficaz e alcançou o seu objectivo. Mas, até lá, ainda há muitos eleitores para cortejar e, numa corrida tão renhida, todos os votos contam.