Durante as últimas semanas, democratas e republicanos do Senado estiveram envolvidos em negociações com vista a uma eventual reforma do sistema do filibuster, o famoso e polémico do funcionamento da câmara alta do Congresso que permitia a uma minoria de pelo menos 40 dos 100 senadores o bloqueio de qualquer medida ou legislação que passasse pelo Senado. Contudo, no final desta semana, o líder da maioria do Senado, o democrata Harry Reid, anunciou a desistência da intenção de reformar o sistema, afirmando não estar preparado para, nesta altura, abandonar o actual sistema que obriga ao acordo de 60 votos para que qualquer lei de relevo seja aprovada pelo Senado.
Fica assim sem efeito uma reforma que poderia ter importantes repercussões a médio prazo no funcionamento político do Governo Federal dos Estados Unidos. Durante muitos anos, o método de filibuster funcionou (apesar de não ter sido concebido pelos Founding Fathers) como um dos mais proeminentes instrumentos de checks and balances do sistema político norte-americano, impedindo que uma maioria simples no Senado fosse suficiente para permitir a passagem de legislação fulcral pelo Congresso. Assim, o filibuster foi importante para garantir a essência do Senado, que foi pensado como um órgão mais ponderado e responsável do que a mais volátil Câmara dos Representantes.
Contudo, nas últimas décadas, o filibuster foi sendo utilizado abusivamente e deixou de ser uma medida de último recurso e para ocasiões de superior interesse para ser usada "a torto e a direito", servindo para a minoria impedir o partido maioritário de passar praticamente qualquer medida na câmara alta. Este fenómeno foi sendo progressivamente mais sentido com a crescente polarização do Senado, outrora um órgão legislativo relativamente moderado e onde era possível ver-se dois senadores de partidos opostos a unirem-se para patrocinarem em conjunto uma proposta de lei. Agora, com o Senado, à imagem da Câmara dos Representantes, a dividir-se de forma praticamente perfeita entre as linhas partidárias, torna-se praticamente impossível para qualquer dos lados conseguir fazer passar legislação, a não ser que um dos partidos consiga a tal super maioria de 60 Senadores, o que, apesar de possível, é altamente improvável (nos últimos anos, apenas o Partido Democrata o conseguiu e apenas durante um ano).
Assim sendo, parece-me que era importante uma reforma no sistema de filibuster, mantendo-se esta provisão, mas reservando-a apenas para questões de fundo, permitindo que as matérias mais corriqueiras da governação pudessem ser aprovadas por uma maioria simples no Senado. Mas, mais uma vez, a visão política falou mais alto e os democratas, cientes que, uma vez na minoria, necessitarão do filibuster para bloquear a legislação republicana, preferiram colocar esta reforma na gaveta.
Neste caso, a posição democrata é compreensível. Durante os próximos anos, pelo menos até 2022, o Partido Democrata terá enormes dificuldades em recuperar a Câmara dos Representantes, dada a grande vantagem obtida pelos republicanos no processo de redistribuição dos círculos uninominais de 2011. Assim, o partido de Obama precisa de se agarrar com unhas e dentes ao Senado, de forma a poder evitar que uma eventual vitória republicana em eleições presidenciais e para o Congresso crie um cenário perfeito para um total domínio do GOP em matéria legislativa.
Sem comentários:
Enviar um comentário