sábado, 31 de outubro de 2020

O controlo do Senado está em jogo
















Como o prometido é devido, hoje abordo a disputa pelo Senado, a câmara alta do Congresso dos Estados Unidos, actualmente dominada pelo Partido Republicano, que conta com 53 dos 100 lugares do mais conceituado dos órgãos legislativos norte-americanos. Ao contrário do que acontece na contenda pela Câmara dos Representantes, onde uma vitória democrata é praticamente certa, o controlo do senado está em jogo neste ciclo eleitoral e, a crer nas sondagens, é muito provável que os democratas consigam, a 3 de Novembro voltar a uma posição maioritária na câmara alta.

Este ano, acontecem 35 eleições para o Senado, sendo que 33 são  regulares e 2 eleições especiais no Arizona e na Georgia, para os eleitores escolherem os sucessores eleitos de John McCain, falecido em 2018, e de Johnny Isakson, que se demitiu em 2019, respectivamente (até agora, esses lugares foram ocupados de forma provisória por políticos nomeados pelos governadores dos seus estados). 

Entre assentos que não vão a votos e aqueles que é certo que seguirão nas mãos dos democratas, temos 44 lugares, à partida, no lado azul. Depois, podemos já atribuir o Colorado ao Partido Democrata, já que o candidato democrata, John Hickenlooper, tem surgido com sucessivas e folgadas vantagens nas sondagens sobre o senador do GOP, Cory Gardner. Sendo o Colorado, hoje em dia, um estado com grande inclinação para os liberais, este será o primeiro lugar a mudar de mãos.

Por sua vez, os republicanos contam, inicialmente, com 41 assentos do seu lado, contando os lugares que não se disputam e aqueles onde contam com uma vantagem insuperável. Entre estes, coloco a corrida do Mississippi, apesar de alguns analistas considerarem que poderá ser competitiva. Além disso, parece quase certo que, no Alabama, o senador democrata, Doug Jones, não conseguirá manter o seu lugar e será derrotado pelo republicano Tommy Tuberville. 

Sobram, assim, 13 corridas cujo desfecho está em dúvida, pelo que serão essas que teremos de seguir com mais atenção na noite eleitoral e que decidirão, contados os votos, qual dos partidos controlará o Senado. Com base na minha perceção das várias contendas, colori o mapa eleitoral da forma que podem ver na imagem de cima. Dividindo os estados por categorias, cheguei às seguintes escolhas:

Leaning Republican - Texas, South Carolina e Alaska. 

O Alaska é sempre um estado difícil de prever, por causa da falta de sondagens, sendo que os poucos estudos de opinião mostram uma curta vantagem republicana. O Texas e a South Carolina são ambos estados do Sul, onde os republicanos são claramente favoritos, mas em que o simples facto de serem considerados relativamente competitivos demonstra como o clima político actual nos Estados Unidos é desfavorável ao GOP. Ainda assim, é o senador da SC, Lindsey Graham que parece em pior situação (ponderei mesmo colocar esta corrida como toss-up).

Leaning Democrat - Minnesota, Michigan, Maine

À imagem do que acontece nas corridas presidenciais, o upper midwest  parece terreno favorável para os liberais, pelo que os actuais senadores democratas deverão manter os seus assentos no Minnesota e no Michigan. Já no Maine, a senadora republicana, Susan Collins, muito dificilmente será reeleita e a democrata Sara Gideon está numa posição muito favorável para ficar com o seu lugar.

Toss-up - Montana, Iowa, Arizona, North Carolina, Kansas, Georgia 1 e 2

Estas são as corridas mais equilibradas e onde é mais difícil prever um vencedor. No Arizona, na North Carolina e no Iowa os democratas parecem estar em melhor posição, ao passo que no Kansas e no Montana os candidatos republicanos podem ter uma ligeira vantagem. Já na Georgia, a situação é muito complicada, porque, aqui, há lugar a segunda ronda, caso nenhum dos candidatos consiga uma maioria absoluta. Em ambas as eleições, será difícil que não venha a ser necessária a eleição runnoff (segunda volta), ainda que seja possível que o democrata Jon Ossof consiga ultrapassar os 50% na sua corrida face ao senador republicano David Perdue, que está a ter muitas dificuldades. Talvez o mais importante factor a reter destas sete disputadas eleições é que todas elas têm um ponto em comum - todos os lugares em disputa são, actualmente, ocupados por senadores republicanos. 

Assim se percebe que o Partido Democrata tem um caminho muito mais desimpedido rumo à maioria no Senado do que o GOP. E os democratas poderão mesmo precisar apenas de alcançar 50 assentos, pois cabe ao vice-presidente o voto de desempate em caso de igualdade numa votação do Senado e, nesta altura, é Joe Biden o favorito a vencer a eleição presidencial. Nesse caso, apenas precisariam de vencer dois dos sete estados toss-up, algo que parece bastante provável, pelo que se pode prever que uma vitória democrata, ainda que não seja certa, é bastante provável.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Vamos saber o resultado na noite eleitoral?

Por esta altura, esta é uma das perguntas que mais se faz. E a resposta mais correcta é que é possível que se conheça oficialmente o vencedor da eleição presidencial na noite de 3 de Novembro (madrugada em Portugal), mas que isso é pouco provável. 

Nunca como este ano, por causa da pandemia, os norte-americanos votaram tanto por correspondência e de forma antecipada. Por isso, muitos estados onde o early voting e o mail voting não eram tão habituais, terão maior dificuldade em gerir o grande fluxo de votos que chegam por correio. Consequentemente, a contagem dos votos poderá demorar mais tempo e isso deverá fazer com que o vencedor em alguns estados só seja conhecido alguns dias depois da noite eleitoral.

Um desses estados é a Pennsylvania, precisamente um swing state decisivo para a disputa pela Casa Branca. Aqui, tudo aponta para que os resultados só estejam todos apurados até ao final da próxima semana, podendo mesmo acontecer que demore mais do que isso, como sucedeu nas primárias presidenciais de Junho neste estado. 

Outros estados, já com experiência neste tipo de votação, começam a contar os votos por correio ainda antes do dia das eleições e esperam ter todos os boletins contados poucas horas após o fecho das urnas. A Florida, com 29 votos eleitorais, é o exemplo mais importante, pelo que saberemos de forma relativamente rápida o vencedor no sunshine state.

No caso de uma eleição muito disputada em vários estados, dificilmente conheceremos, com elevado grau de certeza, quem ganhou a corrida presidencial. Contudo, basta a Joe Biden vencer na Florida para ser possível antever a vitória do democrata, já que Donald Trump precisa de vencer este estado para continuar na Casa Branca. Além disso, deveremos conhecer os resultados noutros swing states que o actual presidente precisa de conquistar, casos da North Carolina e do Arizona. 

Já nos estados do midwest, como no Michigan, e no Wisconsin, o retorno dos resultados deverá ser mais lento e demorado. Nesses estados, must win para Biden, não deveremos conhecer, sem margem para dúvidas, o vencedor na noite eleitoral, salvo no caso de uma vitória folgada de um dos candidatos. 

Assim, em resumo, podemos dizer que um triunfo de Biden poderá ser conhecido na própria noite das eleições, ainda que as cadeias noticiosas não a oficializem. Já no caso de uma vitória de Trump, que acontecerá sempre no cenário de uma corrida muito equilibrada, deverá obrigar a alguns dias de espera. Seja como for, esperemos que os votos sejam contados de forma pacífica e sem polémicas, de forma a que decisão caiba aos eleitores e não aos tribunais.

Nota: aconselho a consulta do manual do 538.com, precisamente sobre este tema.

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

A disputa pela House













Na próxima Terça-feira, os eleitores norte-americanos não escolhem apenas o seu presidente para os próximos quatro anos. Além de uma quase infinita variedade de eleições e referendos de nível local e estadual, irá a votos o Congresso, mais precisamente 35 dos 100 senadores e todos os 435 representantes. Sobre o Senado, cujas corridas merecem uma atenção mais detalhada, falarei mais à frente. Hoje, importa prever o que será a configuração da Câmara dos Representantes após as eleições que se aproximam.

Actualmente os democratas controlam a câmara baixa do Congresso, ocupando 232 dos 435 assentos. Em 2018, o Partido Democrata voltou a assumir posição maioritária na House, que lhe escapava desde 2010. Nesse ano, marcado pelas ascensão do Tea Party e pela impopularidade da reforma do sistema de saúde apresentado por Barack Obama (curiosamente, o Obamacare é, hoje, muito popular), os democratas sofreram uma copiosa derrota. Ora, a distribuição dos círculos eleitorais que acontece a cada dez anos sucedeu precisamente após esse ciclo eleitoral, e, por isso, os republicanos, tendo alcançado maiorias em grande parte das legislaturas estaduais, conseguiram uma importante vantagem na forma como os círculos eleitorais foram desenhados. Assim, nas eleições seguintes, apesar de os democratas receberem, um maior número total de votos para a Câmara dos Representantes, ficaram aquém no que diz respeito ao número de deputados.

Em 2018, uma onda democrata com base no sentimento anti-Donald Trump fez com que os liberais conseguissem, finalmente, contrariar esse handicap e voltassem à maioria na House. Este ano, a tendência mantém-se e é praticamente certo que os democratas continuarão a controlar a câmara baixa. Aliás, a sua vantagem em número de assentos deverá mesmo aumentar, já que, nesta altura, segundo as previsões, o número de lugares que o GOP deve perder para os seus adversários ronda a dezena. Mas vejamos o que dizem as principais projecções:

538.com

Possibilidades de vitória: Democratas - 98%; GOP - 2%

Assentos: Democratas - 232; GOP - 187; Toss-up - 16

Cook Political Report

Assentos: Democratas - 228; GOP - 181; Toss-up - 26

Real Clear Politics

Assentos: Democratas - 214; GOP - 182; Toss-up - 39

Total nacional dos votos para a Câmara dos Representantes: Democratas - 50,4%; GOP - 42%

The Economist

Possibilidades de vitória: Democratas - 99%; GOP - 1%

Assentos: Democratas - 243; GOP - 192

Como se vê, tudo indica que a Câmara dos Representantes continuará a ser pintada, na sua maioria, em tons de azul, o que poderá ser importante para uma eventual presidência Biden, em especial se à manutenção da House os democratas juntarem a conquista do Senado. De qualquer forma, o que é certo é que, entre as três principais disputas (Casa Branca, Senado e Câmara dos Representantes), esta é aquela com desfecho mais previsível. Nancy Pelosi, continuará, por isso, como Speaker of the House.

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Time is running out

Estamos já na recta final da campanha presidencial norte-americana e a corrida parece ter estabilizado, não havendo grandes novidades nas sondagens. Neste momento, a vantagem de Joe Biden sobre Donald Trump nas sondagens de nível nacional mantém-se nos single digits altos, com alguns estudo de opinião a atingirem ou mesmo a ultrapassarem a dezena de pontos percentuais. Já os números nos battleground states são mais modestos para o candidato democrata, mas, ainda assim, mostram uma diferença sólida e constante a favor de Biden.

De uma forma geral, Joe Biden tem vindo a reforçar a sua posição na rust belt. Nesta zona, o democrata tem surgido com melhores números nos estados onde está obrigado a vencer (Michigan, Winsconsin e Minnesotta) e apenas na Pennsylvania a sua vantagem é relativamente mais reduzida (ainda que ronde os 5%). Já no Ohio, a corrida está mais equilibrada e é um verdadeiro toss up. Contudo, isso até são boas notícias para o antigo vice-presidente, já que este era um estado que chegou a parecer fora do seu alcance. Mais a norte, mas ainda no midwest, o Iowa está cada vez mais equilibrado. Apesar de ser um estado predominantemente rural, o pico de infecções com Covid-19 e a insatisfação dos eleitores para com a gestão da crise pelo governador republicano, tem prejudicado as hipóteses de Trump no hawkeye state.

No Oeste, o Arizona parece cada vez com maior tendência para virar para lado democrata, já que as sondagens têm vindo constantemente a mostrar vantagem para Biden. Com o New Mexico e o Colorado definitivamente no lado azul, Donald Trump aposta no Nevada, onde os estudos de opinião mostram os números a apertar, ainda que, neste estado, exista uma crónica carência de sondagens de qualidade.

Continuando na sunbelt, mas mais a leste, os democratas estão, agora, a apostar forte no Texas e na Georgia, dois antigos bastiões republicanos, obrigando Trump a jogar à defesa, já que, caso perca um destes estados, será obrigado a despedir-se da Casa Branca. Enquanto isso, na Florida, a corrida está totalmente imprevisível. Os primeiros números de votos antecipados mostravam uma grande vantagem democrata, mas, nos últimos dias, uma onda de votos republicanos veio equilibrar a contenda, cujo desfecho deverá ser conhecido ao photo-finish, como é, aliás, habitual no sunshine state.

Mais a norte, na North Carolina, existe um outro toss-up, ainda que as sondagens venham a apresentar vantagem para Biden, ainda que por margens mínimas. Já a Virgínia, outrora um estado seguro para o Partido Republicano virou definitivamente à esquerda e é agora terreno democrata. Subindo ainda mais no mapa, chegamos ao New Hampshire que deverá atribuir os seus quatro votos eleitorais a Joe Biden, segundo indicam as sondagens. 

Finalmente, e falando dos dois estados que não atribuem os seus votos eleitorais através do sistema winner takes all, o candidato democrata deverá amealhar todos os votos eleitorais do Maine e ainda um dos votos eleitorais do Nebraska, a confirmarem-se os dados recolhidos pelas diversas polls que têm vindo a público nos últimos tempos. 

Fazendo esta pequena viagem pelo mapa eleitoral, percebe-se facilmente que Joe Biden se encontra numa posição extremamente favorável para vencer no colégio eleitoral e, assim, ser empossado como o 46º presidente dos Estados Unidos. A Donald Trump, que já não conta com mais debates para poder alterar a narrativa da corrida, cuja campanha está praticamente sem dinheiro no banco e vê o seu opositor gastar várias vezes mais em anúncios televisivos do que a sua campanha, e numa altura em que a pandemia volta a atacar em força, já não resta mais do que esperar por um monumental erro das sondagens, sendo certo que esse erro terá de ser bem superior ao que se registou em 2016. Em resumo, Trump está sem debates, sem dinheiro e sem vacina para poder ultrapassar Joe Biden. E, pior do que isso, está também a ficar sem tempo.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

O Supremo Tribunal está novamente completo, mas muito diferente













Amy Coney Barrett foi, ontem, confirmada como a mais recente juíza do Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Numa votação que seguiu quase totalmente as linhas partidárias, recebeu 52 votos favoráveis e 48 negativos. Entre os republicanos, apenas Susan Collins (a contas com uma difícil tarefa de reeleição no Maine, um estado que pende para o lado democrata) não aprovou a nova supreme. Ainda durante o dia de ontem, Barret foi ajuramentada pelo juiz Clarence Thomas e tomou posse do seu novo cargo.

O processo de confirmação da jurista conservadora desenrolou-se em tempo recorde, para que o senado republicano conseguisse confirmar a nomeada de Donald Trump antes das eleições da próxima Terça-feira. Apesar da feroz oposição democrata a esta nomeação, e de algumas críticas por parte de (poucos) senadores republicanos menos alinhados com a linha do partido, Barrett vai mesmo sentar-se no mais alto tribunal norte-americano. 

A confirmação de Amy Coney Barrett representa uma enorme mudança no equilíbrio ideológico do tribunal, já que ocupa o lugar anteriormente pertencente a Ruth Bader Ginsburg, uma das juízas mais liberais do Supremo. Agora, os juizes nomeados por presidentes republicanos passam a ser seis, face a apenas três que foram nomeados por presidentes do Partido Democrata. Esta radical transformação do Supreme Court, com três nomeações em apenas quatro anos, é, porventura, a maior vitória do mandato de Donald Trump. Num curto período de tempo, o actual ocupante da Casa Branca deixa a sua marca no panorama legal e político dos Estados Unidos para as próximas décadas, dado que não será fácil, a curto ou médio prazo, voltar a equilibrar a balança ideológica do tribunal. 

Além disso, Trump pode recolher dividendos a curto prazo da colocação de Barret no Supremo. No caso de uma eleição muito renhida, a decisão pode caber aos tribunais, como aconteceu em 2000. Com um Supremo Tribunal nas mãos dos juízes mais conservadores, isso pode ser um enorme trunfo para Donald Trump. Aliás, ontem mesmo os supremes já tomaram uma decisão com implicações para a eleição da próxima terça-feira, ao impedirem o prolongamento da data para a aceitação de boletins de voto enviados por correio no swing state do Wisconsin. 

Ainda assim, e com Joe Biden bem à frente nas sondagens, não é muito expectável que o Supremo Tribunal seja chamado a decidir a contenda. Se assim for, um eventual voto a favor de Trump por parte de Amy Coney Barret será sempre visto com muita atenção, em especial se se tiver em conta que o próprio presidente disse contar com a juíza conservadora para uma possível decisão relacionada com a eleição. 

Contudo, John Roberts é ainda o Chief Justice e, moderado e institucionalista como é, não quererá que o "seu" tribunal seja manchado por uma postura demasiadamente extremista ou partidária e poderá ter poder suficiente para persuadir outro juiz (Brett Kavanaugh seria a hipótese mais óbvia) a com ele juntar-se aos membros mais liberais e evitar decisões demasiadamente polémicas. Afinal, como a história do Supreme Court tem provado ao longo dos anos, os juízes depois de ganharem o seu assento adoptam, muitas vezes, uma postura mais moderada e institucional, pois preocupam-se com a imagem do mais importante órgão judicial do país. 

Veremos, no futuro próximo, se o tribunal de John Roberts, com esta nova configuração, confirma essa regra ou se se transforma em mais uma instituição político-partidária dos Estados Unidos, neste caso com claro pendor conservador. A forma como o tribunal se comportar nos próximos tempos será decisiva para o panorama político norte-americano, em especial a confirmar-se a vitória democrata nas próximas eleições. No caso de termos um Supremo Tribunal claramente hostil a Biden e aos democratas, estes poderão responder com todo o arsenal à sua disposição, como o court packing. Num país altamente polarizado, esse cenário será extremamente negativo e poderia ter consequências nefastas e duradouras para a democracia mais antiga do mundo.

domingo, 25 de outubro de 2020

O Estado tipping point


























Uma das noções mais importantes na definição das estratégias das campanhas presidenciais é a do Estado tipping point, isto é, o Estado com maior probabilidade de ser, quando se contarem os votos, aquele que atribui o voto decisivo ao vencedor no colégio eleitoral. Ou seja, se colocarmos todos os estados por ordem de diferença na margem de vitória, começando naquele em que o vencedor venceu por maior diferença, aquele Estado que fizer o candidato vencedor alcançar os 270 votos eleitorais é o tipping point state. 

Segundo o 538.com de Nate Silver, o tipping point state deste ciclo eleitoral é a Pennsylvania com os seus 20 votos eleitorais. Há quatro anos, quando todos esperavam uma vitória de Hillary Clinton, Donald Trump venceu no keystone state e esse foi um dos factores decisivos para o triunfo do republicano no colégio eleitoral (juntamente com as suas vitórias no Michigan e no Wisconsin).

A Pennsylvania começou como o centro da América. Tendo sido uma das primeiras colónias, cedo ganhou protagonismo e atraiu milhares de Britânicos de várias confissões religiosas e Alemães. Philadelphia tornou-se a maior cidade norte-americana e foi aí que se reuniu o Congresso Continental, em 1776, e que decorreu a Convenção Constitucional, em 1787. Nessa época, Philadelphia parecia destinada a tornar-se a Londres da América e o seu centro económico, comercial e financeiro.

Contudo, tanto Philadelphia como a Pennsylvania não conseguiram manter o papel fulcral que desempenharam no início da União. Perdida a capital federal, que se mudou para Washington D.C., cidade edificada propositadamente para albergar o governo dos Estados Unidos, a Pennsylvania tornou-se a capital da indústria do aço e da indústria energética, principalmente devido ao carvão, matéria-prima abundante no território do estado. O crescimento industrial foi acompanhado pela chegada de grandes vagas de imigração para o estado e, em 1910, a Pennsylvania era o segundo estado mais populoso da União.

O crescimento da Pennsylvania seria interrompido pela Grande Depressão de 1929 e, em algumas regiões do estado, nunca seria retomado e isso teve como resultado a mais baixa taxa de crescimento populacional entre os maiores estados da União. Por isso, se em 1930 este estado atribuía 36 votos eleitorais, agora, esse número está reduzido a 20. Nos últimos anos, essa tendência alterou-se ligeiramente, devido à taxa de impostos praticada na Pennsylvania, que é mais baixa do que na maioria dos estados vizinhos, à chegada de idosos oriundos de New York que procuram uma região mais sossegada para viver a sua reforma, à imigração de hispânicos para trabalharem nas indústrias da Pennnsylvania e à reemergência da zona rural do estado como produtor energético por excelência.

Politicamente, a Pennsylvania constituiu-se, após a Guerra Civil, como o mais pró-republicano dos maiores estados norte-americanos. Em 1932, foi mesmo o único dos grandes estados a preferir o republicano Herbert Hoover em detrimento de Franklin Roosevelt. Todavia, o New Deal e os movimentos sindicais alteraram o panorama político do Estado e tornaram a Pennsylvania industrial dos anos 30 e 40 quase tão democrata como, nas décadas anteriores, havia sido republicana. Mesmo assim, algumas zonas menos industriais do estado mantiveram-se fortemente republicanas e serviram de contrapeso à preponderância democrata em Philadelphia e noutros centros urbanos. 

Nos anos 80, o Leste do estado, mais próspero tinha uma tendência pró-republicana, ao passo que o Oeste tendia para o lado democrata. A situação inverteu-se na década seguinte, quando o Leste virou à Esquerda em questões culturais e passou a apoiar o Partido Democrata, enquanto que o Oeste, mais conservador, se passou para o GOP. Como o Leste do estado é mais populoso e, consequentemente, tem maior peso eleitoral, os candidatos republicanos dominaram o estado nos anos 80 e os democratas saíram vencedores a partir da década de 90.

Em 2008 e 2012, Barack Obama venceu na Pennsylvania de forma relativamente fácil, usufruindo da vantagem democrata proporcionada pelo crescimento das áreas urbanas e suburbanas de Philadelphia, um bastião democrata. Contudo, em 2016, Trump conseguiu um esmagador apoio nas zonas rurais do estado, o que foi suficiente para ultrapassar as margens das vitórias democratas nas zonas urbanas. 

Este ano, as tendências deverão ser as mesmas e os democratas tudo farão para alargar ao máximo as suas margens nos centros urbanos. Para isso acontecer terão de apostar forte na comparência às urnas dos eleitores afro-americanos. A presença de Kamala Harris no ticket democrata poderá dar um importante empurrão para que o voto negro volte aos números dos anos Obama e melhore as hipóteses democratas. Mas, por sua vez, os republicanos deverão continuar a contar com um apoio maioritário nas zonas rurais da Pennsylvania, terreno que pode ser chamado de Trumpland

Com as cidades do lado democrata e os campos no sector de Trump, as zonas suburbanas deverão ser decisivas para a vitória no Estado, representando uma espécie de swing state dentro de um swing state. A julgar pelas sondagens, Joe Biden leva vantagem na Pennsylvania suburbana, o que se pode revelar decisivo para a vitória do democrata no estado e, consequentemente, na eleição geral, já que, ao que tudo indica, quem vencer na Pennsylvania será o ocupante da Casa Branca a partir de 20 de Janeiro de 2021.

sábado, 24 de outubro de 2020

Depois da tempestade, a bonança























Desde que anunciou a sua candidatura presidencial, Joe Biden foi sempre menosprezado e desvalorizado. Fosse pela sua idade, pela sua propensão a cometer gaffes, pelo seu centrismo ou até pela sua falta de carisma, tudo foi apontado ao antigo senador pelo Delaware. Oriundo de uma família de classe média, sem se ter destacado academicamente e sofrendo de gaguez, ninguém adivinharia que Biden viria a ser Senador durante décadas, vice-presidente durante oito anos e estivesse, agora, muito perto de ascender à presidência. E isto mesmo depois de sofrer as maiores tragédias pessoais imagináveis. Por isso, a história já nos ensinou que Joe Biden é alguém com quem temos de contar.

Mas, além de Biden não ser um candidato tão fraco como alguns possam pensar, é ainda, porventura, o candidato ideal para derrotar Donald Trump. Bem sei que esta não é uma opinião muito consensual, em especial junto daqueles que gostariam de ver alguém mais jovem ou diferente do tradicional candidato presidencial norte-americano - homem, branco, político de carreira. Ainda assim, a meu ver, Joe é um concorrente muito forte para esta eleição presidencial, precisamente por isso mesmo: por ter essas características, é o oposto de Trump, mas, ao mesmo tempo, não tem os anti-corpos que tinha, por exemplo, Hillary Clinton.

Os quatro anos de Donald Trump na Casa Branca romperam com todas as convenções que norteavam o comportamento de um presidente dos Estados Unidos. Trump insulta adversários, rasga acordos, comunica através de irritados tweets, ignora os conselhos dos especialistas e prefere seguir o seu instinto, resiste a condenar organizações de supremacia branca e a dizer que cederá pacificamente o poder. Por tudo isto e muito mais, não admira que o Germano Almeida, especialista português sobre política norte-americana, diga que "isto não é bem um presidente dos Estados Unidos".

Assim sendo, é inevitável que muitos americanos desejem agora um regresso à normalidade. Com Joe Biden, que conhecem há largos anos, essa normalidade é garantida, ainda que Trump teime em dizer que o ex-vice de Barack Obama está refém da ala mais liberal do Partido Democrata. Além disso, a sua personalidade é o perfeito oposto de Trump. Mesmo os seus antigos colegas senadores republicanos não escondem que Joe é uma excelente pessoa, com valores morais e familiares que são sempre muito valorizados por uma grande parte do eleitorado norte-americano. Depois de Donald Trump, ter um presidente que é um nice guy pode ser uma mudança vista com bons olhos por muitos eleitores.

Apesar de estar há muitos anos no centro do panorama político norte-americano, Joe Biden nunca se viu envolvido em escândalos de maior. Apesar das suas conhecidas gaffes e da polémica relacionada com plágios em discursos que acabaram com a sua candidatura presidencial (1988), Biden passou sempre uma imagem de honestidade e de preocupação com a causa pública. As suas políticas moderadas não provocam grandes aflições aos mais conservadores e sempre fez questão de se mostrar como um homem do povo (ia trabalhar de transportes públicos). Por isso, os seus índices de favorabilidade andam no terreno positivo, ao contrário dos de Trump (e dos de Clinton, há quatro anos) e consegue muito melhores resultados junto do eleitorado branco com menor escolaridade e mais velho, o que pode ser determinante para evitar a repetição do desfecho da eleição de 2016.

As características pessoais e políticas de Biden retiram muita capacidade de contra-ataque a Donald Trump. Depois de vencer uma Hillary Clinton rodeada de polémicas - os emails, as milionárias conferências no sector privado, os deplorables, Benghazi, etc. - o actual presidente não tem, desta vez, muitas armas para utilizar contra o seu adversário. Como apontou, e bem, Ricardo Costa, no Expresso da semana passada, o facto de Trump não ter um adjectivo mais negativo do que sleepy para associar a Joe Biden, diz muito da falta de argumentação negativa que possa ser usada para atacar o democrata.

Por tudo isto, não acho surpreendente que, depois de Obama e de Trump, que basearam as suas candidaturas na ideia de mudança, Biden surja agora com um tema de campanha que pode ser visto como o regresso à normalidade após os loucos anos do trumpismo. Ou seja, depois da tempestade Trump, Joe Biden pode representar a bonança. E talvez seja mesmo disso que os Estados Unidos estão a precisar.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Empate com sabor a vitória para Biden


Já está. Acabou a série de debates entre os candidatos à presidência e vice-presidência dos Estados Unidos. Em vez dos quatro debates previstos (três entre Donald Trump e Joe Biden e um entre Kamala Harris e Mike Pence), houve apenas três debates, já que o segundo, em formato de town hall foi cancelado depois de o presidente ter acusado positivo para Covid-19. 

O debate de ontem à noite ficou marcado por um clima menos conflituoso do que o frente-a-frente anterior. Foi um Donald Trump bem mais disciplinado o que ontem enfrentou Joe Biden e isso resultou numa discussão mais clara, com mais substância e onde se conseguiu perceber melhor o (muito) que separa os dois candidatos à Casa Branca.

Foi, no fundo, aquilo que se esperava do debate. Depois do chorrilho de críticas que recebeu após a sua prestação anterior e da consequente queda nas sondagens que sofreu, Trump não tinha outra hipótese senão moderar a sua atitude no embate de ontem. As linhas de ataque foram as esperadas, com destaque para a insistência na polémica que envolve Hunter Biden, o filho do concorrente democrata. Ainda que não pareça estar a ter resultados, a estratégia de Donald Trump parece ser replicar o cenário de há quatro anos, quando o caso dos emails de Hillary Clinton terá sido decisivo para a vitória do republicano. Onde Trump terá marcado mais pontos foi nos ataques a Biden por este querer desinvestir na prospecção de combustíveis fósseis (um assunto que pode valer votos importantes em alguns swing states) e quando o caracterizou como um político tradicional.

Por sua vez, Joe Biden, mostrou-se até mais assertivo e enérgico relativamente ao último debate. Talvez pudesse ser mais efectivo nas respostas a ataques de Trump, mas parece que, propositadamente, não quer estar sempre a apontar as sucessivas mentiras do seu opositor, por temer que a repetição se tornasse banal e, por isso, perdesse força. Contudo, foi eficaz a falar em temas que são populares junto do eleitorado como a resposta à pandemia, o Affordable Care Act e a Segurança Social. De qualquer forma, a melhor notícia para o antigo vice de Obama é que não cometeu nenhum erro e passou incólume pela última oportunidade com que o seu opositor contava para mudar o rumo da corrida.

Agora, salvo qualquer acontecimento excepcional, não haverá grandes novidades no que resta da campanha eleitoral. Numa altura em que cerca de um terço dos eleitores já votou, resta aos candidatos cumprir parte final da sua campanha e esperar que os seus argumentos convençam os poucos indecisos que ainda restam. 

Ontem, Donald Trump precisava de uma vitória retumbante para poder sonhar com uma recuperação nas sondagens. Como isso não aconteceu, o caminho está ainda mais aberto para Joe Biden, que tem tudo para se tornar o 46º presidente dos Estados Unidos.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

A última oportunidade de Trump















Decorre, hoje, na cidade de Nashville, no Tenneessee, o segundo e último debate entre os candidatos presidenciais, Donald Trump e Joe Biden. Depois do primeiro debate, que ficou para a história como um dos mais caóticos e menos civilizados de sempre, e do cancelamento do segundo debate devido ao facto de Trump ter adoecido com Covid-19, o embate de hoje pode ser decisivo para a escolha dos norte-americanos (pelo menos para os que ainda não votaram) relativamente ao futuro ocupante da Casa Branca.

Para Donald Trump, que tem surgido constantemente atrás nas sondagens, pode mesmo ser a última oportunidade que tem para alterar a dinâmica da corrida, que, neste momento, parece muito favorável ao seu opositor. Se no primeiro debate a sua prestação agressiva, com constantes interrupções a Biden, mereceu muitas críticas e o fez perder ainda mais terreno, Trump terá agora de tentar salvar a face. 

É, por isso, de esperar um comportamento bastante diferente por parte do actual inquilino da Casa Branca, talvez mais parecido com o da sua prestação no último debate com Hillary Clinton, em 2016. Na altura, Trump foi relativamente disciplinado, mantendo-se on message na maior parte do tempo, apostando no seu tema principal de combate ao sistema. Além disso, neste debate, o moderador terá a possibilidade de tirar o som aos microfones dos candidatos, pelo que a táctica de tentar destabilizar o adversário que utilizou no último debate será mais difícil de replicar.

É certo que atacará Joe Biden, em particular sobre a polémica que envolve o filho do democrata, Hunter Biden, ainda que este assunto não esteja a ter o sucesso que Trump esperaria, até porque as alegações que o rodeiam são muito duvidosas. Além disso, o nomeado republicano poderá continuar a tentar caracterizar uma presidência Biden como uma perigosa viragem à esquerda para os Estados Unidos. Talvez para tentar esvaziar essa linha de ataque, Joe Biden tomou finalmente posição, ainda que indirectamente sobre uma eventual expansão do Supremo Tribunal, anunciado que, caso eleito, encarregará uma comissão independente de estudar possíveis reformas no sistema judicial.

Por sua vez, Joe Biden terá apenas de jogar à defesa no debate de hoje. Com clara vantagem nas sondagens, o Veep de Obama tem de evitar gaffes e erros não forçados. Se possível, deverá mostrar mais energia e poderá continuar a aposta do primeiro debate em falar directamente ao público, já que a sua empatia natural é umas das suas principais forças. Se passar intocado por este debate, então seu o caminho rumo à presidência estará bem mais facilitado, enquanto que Trump terá de ficar à espera de um acontecimento excepcional e/ou de um monumental erro nas sondagens para se manter na Casa Branca.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

O que dizem as previsões

É já de hoje a duas semanas o dia das eleições nos Estados Unidos. Ao contrário do que é normal, é muito provável que não fiquemos a saber, nessa noite (ou madrugada em Portugal) quem é o vencedor de várias corridas, com destaque, claro está, para a disputa pela Casa Branca. Devido à pandemia, o enorme fluxo de votos por correspondência e a possibilidade de esses boletins enviados por correio serem aceites após o dia 3 de Novembro (desde que tenham o selo dos correios referente a esse dia), podemos ter que esperar mais alguns dias para que todos os votos estejam contados. 

À medida que se aproxima a data limite para o voto, diminuem os indecisos e também a margem de erro das sondagens. Importa, por isso, fazer um ponto de situação, percorrendo alguns modelos, agregadores de sondagens e previsões disponíveis, para melhor se perceber se devemos esperar a reeleição de Donald Trump ou se será Joe Biden a tornar-se o 46º presidente norte-americano. Assim:

538.com 

Probabilidade de vitória: Biden - 87%; Trump - 12%; Empate - 1%

Votos eleitorais - Biden - 335; Trump - 203

The Economist

Probabilidade de vitória: Biden - 92%; Trump - 8%

Votos eleitorais - Biden - 346; Trump - 192

Real Clear Politics

Votos eleitorais - Biden - 357; Trump - 181

Larry Sabato's Crystal Ball

Votos eleitorais - Biden - 290; Trump - 163; Toss-up - 85

Com base nestes dados, fica evidente que, neste momento, Joe Biden é o claro favorito a conquistar a Casa Branca. Contudo, há quatro anos, também Hillary Clinton parecia lançada rumo à presidência e, no fim de contas, foi Donald Trump a conseguir ultrapassar os 270 votos eleitorais necessários para se poder sentar na Sala Oval. 

Por isso, e ainda que as empresas de sondagens e os próprios modelos agregadores de sondagens tenham feito ajustes na sequência do upset de há quatro anos, é preciso ter alguma cautela quando se olha para estes números. A propósito deste tema, aconselho a leitura da análise do responsável da empresa Trafalgar Group, cujas sondagens têm sido bem mais favoráveis para Trump do que a média. Ainda que esta empresa tenha um claro bias republicano e uma classificação de apenas C- pelo FiveThirtyEight, a verdade é que, há quatro anos, previram correctamente o triunfo de Trump no Michigan. 

Daqui a umas duas semanas, veremos se a Trafalgar tem ou não razão. Mas uma coisa é certa: se Trump vencer, e depois do que aconteceu em 2016, as empresas de sondagens e os gurus da previsão como Nate Silver, terão os dias contados, ou, no mínimo, perderão toda a credibilidade. Para já, e confiando nas empresas e nas pessoas que, no passado, já demonstraram a sua competência, parece-me indiscutível que é o candidato democrata quem leva vantagem na corrida. 

sábado, 17 de outubro de 2020

The West Wing de regresso para apelar ao voto

Em 1999, Aaron Sorkyn, um dos mais conceituados argumentistas de Hollywood, teve a inaudita ideia de fazer uma série de televisão sobre os bastidores da política. Na altura, parecia uma iniciativa condenada ao fracasso, pois havia a ideia que os espectadores queriam acção e emoção e proliferavam as séries sobre hospitais e forças policiais. Contudo, a Warner Brothers apostou no autor que, entretanto, já venceu um Óscar e viu The West Wing tornar-se consagrada pela crítica (venceu 4 Emmys para melhor série dramática) e pelo público.

A visão idealizada da política e dos seus bastidores que era transmitida pela série inspirou milhões de fãs e levou muitos deles a dedicarem-se à política. Outros, como eu, tomaram um rumo académico por sua influência. Por isso, ao longo dos últimos anos, The West Wing tornou-se uma série de culto, com uma fiel e dedicada legião de fãs que sempre pediu o regresso da série televisiva que marcou o início do século XX e lançou o período de ouro da televisão, que, até então, era vista como a parente pobre do cinema.

Finalmente, em 2020, Sorkyn, o produtor Thomas Schlamme e o elenco de The West Wing reuniram-se para a encenação de um dos melhores episódios da série - Hartsfield Landing. Numa parceria com a associação When We All Vote, a emissão do episódio na HOB Max teve como propósito o apelo ao voto nas próximas eleições norte-americanas. O elenco, agora 20 anos mais velho e sem John Spencer, falecido em 2005, encenou em palco o episódio que se desenrola em torno de um potencial conflito entre a China e Taiwan e com uma pequena eleição primária na ficcional vila que dá nome ao episódio em plano de fundo. Sendo um episódio que funciona bem por si só e com os temas da democracia e do voto muito presentes, a escolha do episódio fez todo o sentido e funciona na perfeição, mesmo tanto tempo depois.

Com algumas participações especiais de luxo, como Bill Clinton, Michelle Obama ou Samuel L. Jackson, a apelarem à participação eleitoral, esta reunião da família The West Wing representa um farol de esperança numa época em que o clima de conflito e de crispação dominam o panorama político dos Estados Unidos. Para mim e para outros entusiastas da série que considero ser a melhor de sempre (em especial ao nível da escrita e do desempenho dos actores), este Hartsfield Landing sabe como um regresso a casa. 

What's next?

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Oportunidade suprema















Após a morte, no mês passado, da juíza Ruth Bader Ginsburg, a liderança republicana anunciou de imediato a sua intenção de confirmar o/a nomeado/a de Donald Trump o quanto antes, em contraponto com o precedente criado, em 2016, quando os senadores do GOP recusaram confirmar o nomeado do Presidente Obama, alegando que, sendo ano de eleições presidenciais, deveria ser dada a palavra aos eleitores, ficando o assento em aberto até um novo Presidente estar na Casa Branca. De seguida, Trump nomeou para o lugar Amy Coney Barrett, uma favorita dos conservadores.

Naturalmente, os democratas reagiram furiosamente, apontando para a contradição republicana e ameaçando com retaliações no caso de a nomeação de Barret vir a ser confirmada pelos senadores do GOP. O fim do filibuster, um tema de que os democratas já vêm a falar há algum tempo, e o court packing, através da expansão do número de lugares no Supremo de nove para onze, foram dois cenários apontados por alguns democratas como possíveis de se virem a concretizar quando regressarem ao poder no caso de Amy Coney Barrett ocupar o lugar deixado vago pela morte de Ginsburg.

Joe Biden, por sua vez, tem recusado dizer se apoia ou não o fim do filibuster e o court packing. E percebe-se porquê. Por um lado, se disser que é contra essas medidas, então será acossado pela ala mais liberal do seu partido e poderá ser prejudicado pela desmobilização do eleitorado mais progressista. Por outro lado, se vier a público mostrar-se favorável, será "pintado" pelo partido adversário como sendo um mero fantoche da ala democrata mais radical e como alguém que colocará em perigo as instituições mais tradicionais e conceituadas do país, como são o Senado e o Supremo Tribunal. 

Veremos, nos próximos dias, se a campanha de Biden consegue resistir à pressão dos media e continuar a evitar uma resposta concreta. Apesar de compreender a evasão do nomeado presidencial democrata, penso que uma estratégia mais sensata do que estar à defensiva seria, simplesmente, dizer: "o court packing não é algo que queira fazer, mas os republicanos obrigar-me-ão a ponderar essa medida caso vão em frente com a confirmação de Amy Coney Barrett e quebrem as normas (não escritas) que eles próprios criaram".

Por sua vez, a táctica republicana, apesar de ética e moralmente questionável, é facilmente justificada pelo enorme prémio que está em jogo. A colocação de uma juíza muito conservadora no lugar de uma antecessora liberal representa uma dramática mudança no equilíbrio do tribunal. A confirmar-se, a presença de Barret no Supremo representaria o terceiro juiz apontado para esta instância por Donald Trump, em apenas quatro anos, o que é verdadeiramente extraordinário, dado que o Supreme Court é constituído por nove membros que são nomeados de forma vitalícia. Por isso, se quando Barack Obama deixou a Casa Branca o tribunal contava com quatro juízes apontados por presidentes democratas e outros quatro apontados por presidentes do GOP, agora, apenas quatro anos depois, podemos passar para uma vantagem de seis a três para o lado republicano.

Sabendo que a influência legislativa do Supremo Tribunal tem vindo a crescer, percebe-se, então, a enorme motivação dos republicanos para ocuparem rapidamente esta vaga, cientes de que, a 3 de Novembro, perderão, provavelmente, a Casa Branca e a maioria no Senado. Além disso, os republicanos foram astutos ao proceder com a confirmação ainda antes da eleição, pois uma confirmação depois da eleição por um Senado lame duck seria vista de forma ainda mais negativa pelo eleitorado e poderia legitimar, aos olhos do público, a retaliação democrata.

Neste momento, decorrem as audiências para a nomeação de Amy Coney Barrett que pouco têm adiantado, já que a juíza se tem esquivado a praticamente todas as perguntas que lhe são colocadas pelos senadores democratas, nomeadamente sobre posições que tomaria em cenários hipotéticos. Salvo uma grande surpresa, Barrett será rapidamente confirmada, já que apenas duas senadoras do GOP se opuseram publicamente a este processo. Por isso, e como os republicanos contam com 53 senadores e apenas precisam de 50 votos favoráveis, tudo indica que os conservadores vão conseguir uma fundamental vantagem ideológica no Supremo Tribunal.

Assim sendo, e numa altura em que os democratas apontam para o perigo de o Supremo vir a decidir em temas como o fim do direito ao aborto, a revogação do Obamacare ou mesmo o desfecho da eleição presidencial, umas poucas dezenas de senadores republicanos, eleitos por uma minoria de eleitores (por exemplo, os dois senadores republicanos do Wyoming representam menos de 600 mil habitantes enquanto as duas senadoras democratas pela Califórnia representam quase 50 milhões de cidadãos), têm nas mãos uma decisão que poderá ter um enorme impacto durante os próximos 40 anos (Barrett tem 48 anos). 

Ao mesmo tempo, mais de 250 milhões de eleitores norte-americanos deslocam-se às urnas (se ainda não o tiverem feito antecipadamente ou por correio) para escolherem o novo Presidente, um terço do Senado, a totalidade dos membros da Câmara dos Representantes e vários governos locais e estaduais, para os próximos dois (no caso dos representantes) ou quatro anos. Será, sem dúvida, um dia decisivo para o futuro próximo do panorama político dos Estados Unidos da América  Mas será essa a decisão mais importante que se toma por estes dias? 

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

O estado da corrida

A 19 dias do dia das eleições, o mapa eleitoral está cada vez mais definido e, por isso, apresento uma imagem que reflecte a minha opinião sobre o estado da corrida, ao dia de hoje, de acordo com as sondagens nacionais e, principalmente, estaduais.
Como se pode verificar pelos dados do mapa, a tendência é clara: Joe Biden tem tudo para ser o 46º presidente dos Estados Unidos, salvo algum acontecimento excepcional nos poucos dias que faltam ou a uma colossal falha das sondagens. Bem sei que há quatro anos as sondagens falharam de forma copiosa quando se pensava que Hillary Clinton derrotaria, com maior ou menor dificuldade, Donald Trump. Contudo, as sondagens da altura mostravam uma corrida mais equilibrada do que a deste ano e, além disso, tivemos a decisão do FBI em reabrir a investigação aos emails de Hillary Clinton a poucos dias da eleição, o que veio a revelar-se como um verdadeiro game changer na eleição de 2016. Este ano, salvo um novo momento James Comey (curiosamente, Trump voltou, recentemente a trazer o tema à baila), o actual ocupante da Casa Branca deverá ter dificuldades em repetir o upset.
À medida que se aproxima o dia das eleições - ou o última dia das eleições, já que, neste momento, vários milhões de eleitores já depositaram o seu voto - fecha-se a janela de oportunidade para que Trump reduza a desvantagem para Joe Biden e se coloque numa striking distance que lhe permita, com um eventual erro nas sondagens e uma eficaz operação de mobilização de eleitores por parte da máquina republicana, conquistar um novo mandato à frente dos destinos da nação norte-americana.
A favor de Donald Trump joga ainda a sua vantagem no colégio eleitoral, já que Joe Biden deverá ter de vencer por mais de 3% no voto popular para compensar o handicap do sistema eleitoral de que padece actualmente o Partido Democrata. Mas, nesta altura, tal vantagem parece não ser suficiente para evitar que Joe Biden ascenda à presidência. 
Como se pode ver no mapa, o democrata consegue ultrapassar os 270 votos eleitorais necessários para a vitória sem precisar de ganhar nenhum dos estados onde as sondagens mostram maior equilíbrio. Mesmo não vencendo o Arizona, onde Trump triunfou em 2016, Biden seria o próximo presidente dos Estados Unidos, pelo que se afigura como muito difícil o percurso do candidato republicano rumo a um novo mandato na Casa Branca. 
Em 2016, assistimos a uma das maiores surpresas eleitorais de que há memória. Eu próprio dei como certa a vitória de Hillary a poucos dias da eleição desse ano, sem saber que a famosa blue wall democrata estava a ruir de forma praticamente despercebida (apenas no Michigan houve alguns sinais e nas vésperas da eleição), pelo que, desta vez, se impõe maior cautela e ponderação antes de anunciar como decidida uma corrida que, ainda por cima, está rodeado de condições excepcionais. Assim sendo, façamos as nossas apostas, mas esperemos para ver quem conquista a Casa Branca.