sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Oportunidade suprema















Após a morte, no mês passado, da juíza Ruth Bader Ginsburg, a liderança republicana anunciou de imediato a sua intenção de confirmar o/a nomeado/a de Donald Trump o quanto antes, em contraponto com o precedente criado, em 2016, quando os senadores do GOP recusaram confirmar o nomeado do Presidente Obama, alegando que, sendo ano de eleições presidenciais, deveria ser dada a palavra aos eleitores, ficando o assento em aberto até um novo Presidente estar na Casa Branca. De seguida, Trump nomeou para o lugar Amy Coney Barrett, uma favorita dos conservadores.

Naturalmente, os democratas reagiram furiosamente, apontando para a contradição republicana e ameaçando com retaliações no caso de a nomeação de Barret vir a ser confirmada pelos senadores do GOP. O fim do filibuster, um tema de que os democratas já vêm a falar há algum tempo, e o court packing, através da expansão do número de lugares no Supremo de nove para onze, foram dois cenários apontados por alguns democratas como possíveis de se virem a concretizar quando regressarem ao poder no caso de Amy Coney Barrett ocupar o lugar deixado vago pela morte de Ginsburg.

Joe Biden, por sua vez, tem recusado dizer se apoia ou não o fim do filibuster e o court packing. E percebe-se porquê. Por um lado, se disser que é contra essas medidas, então será acossado pela ala mais liberal do seu partido e poderá ser prejudicado pela desmobilização do eleitorado mais progressista. Por outro lado, se vier a público mostrar-se favorável, será "pintado" pelo partido adversário como sendo um mero fantoche da ala democrata mais radical e como alguém que colocará em perigo as instituições mais tradicionais e conceituadas do país, como são o Senado e o Supremo Tribunal. 

Veremos, nos próximos dias, se a campanha de Biden consegue resistir à pressão dos media e continuar a evitar uma resposta concreta. Apesar de compreender a evasão do nomeado presidencial democrata, penso que uma estratégia mais sensata do que estar à defensiva seria, simplesmente, dizer: "o court packing não é algo que queira fazer, mas os republicanos obrigar-me-ão a ponderar essa medida caso vão em frente com a confirmação de Amy Coney Barrett e quebrem as normas (não escritas) que eles próprios criaram".

Por sua vez, a táctica republicana, apesar de ética e moralmente questionável, é facilmente justificada pelo enorme prémio que está em jogo. A colocação de uma juíza muito conservadora no lugar de uma antecessora liberal representa uma dramática mudança no equilíbrio do tribunal. A confirmar-se, a presença de Barret no Supremo representaria o terceiro juiz apontado para esta instância por Donald Trump, em apenas quatro anos, o que é verdadeiramente extraordinário, dado que o Supreme Court é constituído por nove membros que são nomeados de forma vitalícia. Por isso, se quando Barack Obama deixou a Casa Branca o tribunal contava com quatro juízes apontados por presidentes democratas e outros quatro apontados por presidentes do GOP, agora, apenas quatro anos depois, podemos passar para uma vantagem de seis a três para o lado republicano.

Sabendo que a influência legislativa do Supremo Tribunal tem vindo a crescer, percebe-se, então, a enorme motivação dos republicanos para ocuparem rapidamente esta vaga, cientes de que, a 3 de Novembro, perderão, provavelmente, a Casa Branca e a maioria no Senado. Além disso, os republicanos foram astutos ao proceder com a confirmação ainda antes da eleição, pois uma confirmação depois da eleição por um Senado lame duck seria vista de forma ainda mais negativa pelo eleitorado e poderia legitimar, aos olhos do público, a retaliação democrata.

Neste momento, decorrem as audiências para a nomeação de Amy Coney Barrett que pouco têm adiantado, já que a juíza se tem esquivado a praticamente todas as perguntas que lhe são colocadas pelos senadores democratas, nomeadamente sobre posições que tomaria em cenários hipotéticos. Salvo uma grande surpresa, Barrett será rapidamente confirmada, já que apenas duas senadoras do GOP se opuseram publicamente a este processo. Por isso, e como os republicanos contam com 53 senadores e apenas precisam de 50 votos favoráveis, tudo indica que os conservadores vão conseguir uma fundamental vantagem ideológica no Supremo Tribunal.

Assim sendo, e numa altura em que os democratas apontam para o perigo de o Supremo vir a decidir em temas como o fim do direito ao aborto, a revogação do Obamacare ou mesmo o desfecho da eleição presidencial, umas poucas dezenas de senadores republicanos, eleitos por uma minoria de eleitores (por exemplo, os dois senadores republicanos do Wyoming representam menos de 600 mil habitantes enquanto as duas senadoras democratas pela Califórnia representam quase 50 milhões de cidadãos), têm nas mãos uma decisão que poderá ter um enorme impacto durante os próximos 40 anos (Barrett tem 48 anos). 

Ao mesmo tempo, mais de 250 milhões de eleitores norte-americanos deslocam-se às urnas (se ainda não o tiverem feito antecipadamente ou por correio) para escolherem o novo Presidente, um terço do Senado, a totalidade dos membros da Câmara dos Representantes e vários governos locais e estaduais, para os próximos dois (no caso dos representantes) ou quatro anos. Será, sem dúvida, um dia decisivo para o futuro próximo do panorama político dos Estados Unidos da América  Mas será essa a decisão mais importante que se toma por estes dias? 

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