domingo, 26 de abril de 2020

Trump a ser (demasiado) Trump

Daqui a pouco mais de meio ano, os norte-americanos terão de escolher o seu presidente, sendo ainda incerta a forma como essa eleição decorrerá, já que o novo coronavírus veio alterar drasticamente a dinâmica social com óbvias implicações nas deslocações em massa aos locais de voto. A própria campanha eleitoral está praticamente parada, sem possibilidade de se realizarem comícios, com as convenções partidárias suspensas e provavelmente a terem de vir a decorrer em moldes muitos diferentes do habitual e com o presumível nomeado democrata, Joe Biden, em isolamento social, na sua residência, limitado a vídeos pouco elaborados e a publicações nas redes sociais.
Numa situação como esta, o palco está inevitavelmente entregue ao presidente, Donald Trump, que tem a vantagem de poder aproveitar o seu cargo para se manter debaixo dos holofotes e evitar um afastamento mediático como acontece com o seu adversário. A vantagem da incumbência na gestão de crises em períodos próximos eleitorais é normalmente bem aproveitada pelos presidentes, como se viu, recentemente, com o papel desempenhado por Barack Obama na resposta ao furacão Sandy, antes das eleições presidenciais de 2012 e que foi vista, por muitos analistas, como fundamental para "descolar" de Mitt Romney nas sondagens.
Donald Trump chegou à Casa Branca através de uma campanha de one man show e sempre contou com o seu carisma e a sua imagem como principal marca para atrair um eleitorado à procura de alguém que os representasse e que não se revia nos políticos tradicionais. A sua elevação desde figura de excêntrico mogul nova-iorquino até ao estatuto de líder do Partido Republicano é muito explicada pelo seu factor novidade e pelo espectáculo que proporcionava qualquer uma das suas aparições públicas, em especial os seus comícios diante de multidões entusiastas e em que falava de improviso, quebrando todos os padrões do que era politicamente correcto (e aceitável). 
Ora, a essência espectacular, imprevisível e disruptiva de Trump fez com que todos os seus eventos fossem seguidas com enorme interesse pelos media, a necessitarem desesperadamente de fontes de audiência (que Trump lhes proporcionava). A CNN, por exemplo, seguia em directo todos os comícios do então nomeado republicano. Donald Trump tinha perfeita noção do interesse que despertava e divertia-se a atrasar as suas entradas em palco apenas para se deliciar com as imagens em directo de um pódio vazio que todas as cadeias noticiosas transmitiam. Com base no seu poder de atracção e na curiosidade que despertou, conseguiu milhares de horas de publicidade grátis em todos os meios de comunicação social norte-americanos (e não só), poupando, assim, dinheiro fundamental que a sua campanha pôde investir, com o sucesso conhecido, em publicidade nas redes sociais.
Foi, por isso, sem grande surpresa que vimos Donald Trump chamar a si a principal responsabilidade na comunicação perante o país sobre o combate que os Estados Unidos estão a desenvolver face à pandemia da Covid-19. Se inicialmente Donald Trump menorizou a ameaça daquilo a que chamava o "vírus chinês" (agora diz que o fez para não criar pânico), durante o mês de Março mudou de estratégia e assumiu a gravidade do problema, começando a realizar briefings diários na sala de imprensa da Casa Branca para relatar ao pormenor todas as facetas da resposta do Estado Federal norte-americano à epidemia do novo coronavírus.
Inicialmente, os números de aprovação do trabalho do presidente subiram ligeiramente e, em especial, a resposta da Administração Trump à crise de saúde pública recebia nota positiva de uma maioria da população. Podia parecer, por isso, que o Presidente estava a sair-se bem em plena pandemia e que, assim, as suas hipóteses de reeleição sairiam fortalecidas desta situação. Contudo, é preciso recordar que, em tempos de crise, é normal o sentimento de rally around the leader e que os números dos líderes políticos costumam subir após provações de nível nacional. Vejam-se, por exemplo, os números estratosféricos de George W. Bush após o 11 de Setembro ou a subida de praticamente todos os índices de aprovação dos principais líderes europeus no auge da luta contra a Covid-19.
Depois, Trump foi Trump e acumulou erros e gaffes sucessivos nas suas conferências de imprensa e os seus números voltaram a descer. Recentemente, a sugestão de se realizarem injecções de desinfectante como uma possível forma de combater o vírus foi a gota de água e obrigou-o a ceder aos conselhos do seu staff e a diminuir a frequência e a duração da sua presença nas conferências de imprensa diárias da Casa Branca. Trump, que, ao contrário de todos os presidentes norte-americanos, nunca se preocupou em estudar de forma aprofundada os dossiers - prefere confiar no seu instinto -, foi posto à prova perante jornalistas experimentados, ficaram à vistas as suas constantes e flagrantes contradições e perdeu em comparação com os governadores estaduais que, maioritariamente, se mostraram mais informados, menos partidários e mais propensos a decidir com base em factos e em conselhos técnicos do que o presidente.
Podemos, por isso, afirmar que podemos, pela primeira vez, ter assistido ao momento em que houve Trump a mais. Ora, como sabemos que o actual ocupante da Casa Branca acredita ser a solução para todos os problemas de comunicação da sua campanha ou administração, este pode ser um momento decisivo para Donald Trump. 
No filme World War Z, ironicamente sobre uma pandemia causada por um vírus, a personagem principal, interpretada por Brad Pitt, descobre que a principal força do vírus (a capacidade de ignorar portadores doentes e fracos) é, também, a principal fraqueza que podem explorar, infectando os sobreviventes com doenças curáveis e, assim, evitando a infecção pelo vírus. Será que a principal força de Trump - a sua omnipresência mediática - também se virá a revelar como a fraqueza que o irá acabar por derrotar?

terça-feira, 14 de abril de 2020

Obama apoia Biden

Barack Obama e Joe Biden mantiveram sempre, ao longo dos seus oito anos em conjunto na Casa Branca, uma excelente relação, tanto pessoal como profissional. A química entre os dois foi evidente e permitiu uma convivência pacífica e sem os atritos que marcaram outras relações entre Presidente e Vice-presidente na história da política norte-americana.
Apesar de Biden ter sido o seu Veep e de serem amigos, Obama não quis nunca ser visto como a intrometer-se na decisão das primárias do seu partido, muito menos a declarar o seu favorecimento a qualquer candidato, nomeadamente ao seu antigo vice. Chegaram mesmo a circular alguns rumores que davam a entender que Obama não via Joe Biden como a pessoa mais indicada para fazer face a Trump e que não estava impressionado com a campanha do antigo senador do Delaware. 
Mas, agora que Joe é o presumível nomeado do Partido Democrata, Obama não tinha por que se manter na rectaguarda e veio, num vídeo divulgado hoje, anunciar publicamente o seu apoio a Biden, deixando um claro contraste para com Donald Trump e apontando para o extenso currículo do seu antigo running mate.
Ao alcançar a nomeação, Joe Biden "liberta", assim, um dos seus mais poderosos trunfos na campanha que se avizinha, pois Barack Obama conta com bons níveis de popularidade entre os norte-americanos, é um orador de excelência e será importante na mobilização do eleitorado democrata, em especial o afro-americano, o que poderá ser decisivo em Novembro. Nessa altura, veremos se o apoio de Obama fez ou não a diferença na luta pela Casa Branca.

sexta-feira, 10 de abril de 2020

À procura da vice de Biden

No seu último debate com Bernie Sanders, a 15 de Março, Joe Biden anunciou que escolheria uma mulher para sua vice-presidente, pelo que teremos um ticket misto do lado democrata face à dupla WASP formada por Donald Trump e Mike Pence. Esta foi uma excelente manobra política do antigo vice-presidente, pois dominou a narrativa (Bernie Sanders foi atrás e disse que faria o mesmo), recebeu elogios por algo que era inevitável e reduziu drasticamente o leque de opções para a sua decisão, poupando, assim, tempo e recursos a vetar nomes masculinos que nunca seriam escolhidos.
Apesar de a importância dos vice-presidentes variar de administração para administração, consoante o portfolio que é atribuído ao Veep, a escolha de Joe Biden reveste-se de importância acrescida, pois um dos segredos mais mal guardados da sua candidatura é que, caso eleito, Biden apenas governará durante um mandato, abdicando de se recandidatar, em 2024, caso vença a eleição deste ano.
Assim sendo, caso o ticket democrata saia vencedor em Novembro, a vice-presidente de Joe estará, muito provavelmente,  na pole position para as primárias democratas de 2024, partindo de uma excelente posição para suceder ao seu presidente. Assim, e não obstante ainda faltar algum tempo para conhecermos a candidata vice-presidencial democrata, importa começar a pensar nas principais potenciais candidatas a concorrerem em conjunto com Biden. 
Na altura de escolherem o seu vice, os candidatos presidenciais procuram, por norma, figuras que os complementem, que possuam características que supram as suas fraquezas, que expandam o seu apelo eleitoral, seja por atraírem um determinado grupo eleitoral ou por trazerem um vanjatoso home effect num swing state.
Assim, candidatos com menos currículo costumam escolher políticos experientes (exemplos como os de JFK, Bush 43 ou Obama) e concorrentes mais velhos procuram um running mate que transmita juventude e vivacidade (recentemente, tivemos os casos de McCain ou Romney). 
Por outro lado, também acontece que os candidatos procurem escolher vices que sejam de um espectro político-ideológico diferente e que complemente o seu apelo eleitoral. Não admira, por isso, que Trump tenha escolhido Mike Pence, uma figura do establishment republicano e que transmitiu segurança ao eleitorado evangélico, e foi, por isso, essencial para segurar a base do seu partido. 
Na escolha vice-presidencial pode também ser tido em conta o home state do candidato, pois se o escolhido for oriundo de um estado decisivo isso pode dar um ímpeto decisivo para a vitória dos votos eleitorais atribuídos por esse mesmo estado.
Mais recentemente, os candidatos à Casa Branca veem a o género e a raça como factores importantes na escolha do seu parceiro na corrida, de forma a criarem um ticket multifacetado para passarem uma mensagem de inclusão e promoverem o voto da minoria respectiva. Este factor é, por norma, mais importante para os democratas e é o caso específico de Joe Biden.
Já sabemos, por isso, que a nomeada vice-presidencial democrata será uma mulher. Ainda não sabemos, porém, o nome da escolhida, o que não acontecerá antes do Verão. Isso não invalida que se comecem a fazer as primeiras previsões e a CNN apresenta uma lista do top-ten das principais candidatas. Concordo, em geral, com esta lista e em especial com as duas primeiras classificadas, que me parecem, de facto, as mais bem posicionadas para acompanharem Biden no ticket do Partido Democrata.
A Senadora Kamala Harris tem sido apontada, desde que desistiu da sua candidatura à Casa Branca, como a principal favorita ao lugar de Veep de Biden. É jovem, traz já a experiência da corrida deste ano, provou ser competente nos debates televisivos e, acima de tudo, é afro-americana. Ora, se houve coisa que ficou provada nas mais recentes eleições é que os democratas dependem muito da afluência às urnas em grande número dos eleitores afro-americanos. Por isso, a presença de uma negra no ticket democrata seria, sem dúvida, uma excelente motivação para que isso acontecesse.
Por sua vez, Gretchen Whitmer tem vindo a subir nas casas de apostas e é vista, agora, como uma possível nomeada vice-presidencial. A sua resposta à crise da COVID-19 enquanto governadora do estado do Michigan trouxe-a para a ribalta e os ataques constantes de que é alvo por parte de Donald Trump só fizeram subir o seu perfil mediático e a solidariedade democrata. A sua juventude é um bom contraponto aos 77 anos de Biden e a sua nomeação daria uma importante vantagem aos democratas no decisivo Michigan. 
É óbvio que ainda é muito cedo para apontar com certeza a escolhida por Joe Biden,  Contudo, se a escolha tivesse de ser feita hoje, ficaria muito surpreendido se a opção não recaísse numa destas duas mulheres.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

It's Joe!

Bernie Sanders anunciou ontem a suspensão da sua campanha presidencial, deixando Joe Biden com o caminho aberto para a nomeação presidencial. Se já o era de facto, Biden é agora oficialmente o presumptive nominee do Partido Democrata e, salvo um acontecimento excepcional, será o adversário de Donald Trump na eleição geral de Novembro.
Era evidente para todos que Bernie tinha perdido as hipóteses de vitória depois da Super Tuesday e das eleições que se seguiram. Com todo o establishment democrata a cerrar fileiras em torno do seu adversário, o senador independente pelo Vermont viu a sua coligação de eleitores - jovens, liberais e hispânicos - ser insuficiente para conseguir a maioria em qualquer primária. Assim, era uma questão de tempo até Joe Biden selar a nomeação, o que poderia até apenas acontecer na convenção nacional do partido. 
Mas, e como se viu em 2016, Bernie Sanders poderia não querer baixar os braços e manter a sua candidatura até ao fim, de forma a amplificar ao máximo a transmissão da sua mensagem liberal. Só que, desta vez, Bernie optou por atirar a toalha ao chão, provavelmente por dois grandes motivos. Em primeiro lugar, a pandemia da Covid-19 retirou-lhe o palco e a atenção mediática que precisava. Com os comícios cancelados e com os media e a opinião pública totalmente focados na crise epidémica, não tinha meios nem público para a sua mensagem. Em segundo lugar, Sanders não quer repetir o que se passou em 2016 e entende que só um partido unido poderá derrotar Donald Trump. Se há quatro anos se pensava que o nomeado democrata seria o eventual vencedor (as hipóteses de uma vitória de Trump não eram levadas a sério), agora os democratas percebem que é imperioso derrotar o actual ocupante da Casa Branca e, por isso, Sanders não quer correr o risco de ficar para a história como um dos grandes responsáveis por oito anos de uma administração Trump.
Até Novembro, os democratas terão mais de meio ano para unir o partido em redor da candidatura de Joe Biden. E, aí, Bernie Sanders terá um papel importante. Numa primeira fase, vai ter de evitar a debandada dos seus apoiantes, como aconteceu, em grande parte, há quatro anos. Depois, será importante na definição da plataforma eleitoral do partido, pois conquistou um lugar de relevo na posição ideológica democrata e, além disso, o partido terá de ser visto a aplacar ideias do movimento de Sanders para convencer os seus apoiantes a irem em força às urnas, em Novembro.
Bernie Sanders pode não ter conseguido uma campanha com tanto sucesso como a de há quatro anos, mas a sua carreira política só pode ser vista como um enorme triunfo. Até há poucos anos, era visto como uma figura menor, um senador de um pequeno Estado com ideias radicais. Todavia, actualmente, Bernie transformou a sua ideologia num movimento fundamental para a transformação do Partido Democrata num partido mais progressista. As suas ideias deixaram de estar limitadas a uma pequena franja para serem discutidas e aceites no sistema mainstream. Ainda é cedo para dizer, mas é possível que, daqui a algum tempo, se diga que o movimento de Bernie esteve para os democratas como o Tea Party esteve para os republicanos.
Mas, agora, as atenções viram-se para Joe Biden, que terá a responsabilidade de evitar um segundo mandato de Donald Trump, provavelmente o presidente republicano mais odiado de sempre pelos democratas. E é certo que Bernie tudo fará para que seja Biden o 46º presidente dos Estados Unidos.