sábado, 9 de novembro de 2024

Como Trump venceu


Se me tivessem dito o resultado do colégio eleitoral duas semanas antes da eleição, eu não teria estranhado muito. Afinal, o triunfo de Donald Trump nos sete battleground states era o resultado previsto pelo Real Clear Politics e, até, em alguns momentos pelo modelo de Nate Silver. O que não estava mesmo nas minhas previsões era que Trump vencesse o voto popular (algo que apenas um republicano tinha conseguido nos últimos 30 anos) e por uma margem razoável - 1,5% -, de acordo com as projecções, numa altura em que ainda não estão contados todos os votos. 

Todavia, a sondagem de Ann Selzer no Iowa teve o condão de alterar completamente as minhas previsões. Com essa e outras sondagens no midwest a mostrarem Kamala Harris competitiva em estados que não se esperavam equilibrados, julguei que a democrata estivesse numa posição de vantagem, posição essa ocultada pelas sondagens preocupadas em não errarem novamente no resultado de Trump numa eleição presidencial. Não podia, porém, estar mais errado e, como sabemos agora, no final, o candidato republicano melhorou mesmo os seus resultados de 2016 e venceu Kamala Harris em toda a linha, juntando ainda à sua vitória a reconquista do Senado e, muito provavelmente, à manutenção do controlo da Câmara dos Representantes. 

Conhecendo, agora, os resultados e analisando os dados disponíveis, sabemos que o triunfo de Trump foi de tal maneira dominador que os democratas passarão muito tempo a fazer a autópsia desta corrida para perceberem o que se passou e como foram capazes de perder uma corrida que pelo menos chegou a parecer estar ao seu alcance. 

Em primeiro lugar, Donald Trump, apesar de muitas vezes ter fugido ao guião, foi eficaz na sua mensagem centrada na economia, no controlo da imigração e no reforço das segurança. Na verdade, Trump criou a oferta e a procura, pois apoiou a narrativa de um país com uma economia decadente, com uma imigração descontrolada e com as ruas inseguras e entregues ao crime, e prometeu resolver esses problemas com uma economia mais liberal, o fecho das fronteiras e deportações em massa que devolveriam os criminosos aos seus países de origem. 

Com esta mensagem, Trump atraiu principalmente os homens, nomeadamente os mais jovens e de meia idade, que tendem a tornar-se mais conservadores e a procurarem alguém que personifique um líder forte. Ao mesmo tempo, o republicano também conquistou o apoio de muitos hispânicos, sensíveis a mensagens económicas, pois muitos deles são small business owners, e onde o tema de controlo da imigração já não é contraproducente, pelo contrário, porque já temem que novos imigrantes venham tomar os seus empregos. 

Mas Donald Trump conseguiu melhores resultados com todos os segmento do eleitorado e em todos os pontos do país. O seu apoio nas zonas rurais ainda foi mais esmagador, conseguiu estancar a perda das regiões suburbanas que lhe custaram a eleição de 2020 e melhorou substancialmente nas cidades. Por exemplo, no Bronx, um dos maiores bastiões democratas do país, Trump passou de single digits, há quatro anos, para cerca de um terço dos votos nesta eleição, o que demonstra os inroads que fez mesmo nos locais que lhe eram mais desfavoráveis. 

Um factor chave para a vitória do magnata do imobiliário foi a incapacidade de os democratas conseguirem demonstrar e provar ao eleitorado indeciso que o primeiro mandato de Trump na Casa Branca foi negativo. De facto, os eleitores parecem ter excelentes recordações dos anos da administração Trump, em especial no que à economia diz respeito, e não culpam o actual presidente-eleito pelas centenas de milhares de mortes por covid-19 e pelo colapso económico provocado pela economia. 

Além disso, a normalização de Trump é agora total. Em relação a 2016 e 2020, o republicano tem taxas de favorabilidade bem mais aceitáveis, ainda que em terreno negativo. É evidente que a tentativa de assassinato terá ajudado a suavizar a sua imagem, mas os americanos parecem já ter entranhado completamente o comportamento de Donald Trump, capaz de atitudes completamente inaceitáveis para qualquer outro candidato presidencial no passado e de ataques e insultos sem quaisquer filtros aos seus adversários. Mas, por agora, essa aceitação é apenas um exclusivo de Trump. Veja-se, por exemplo, a reacção de choque e de condenação generalizada quando Joe Biden pareceu apelidar de lixo os apoiantes de Donald Trump.

Por sua vez, também os democratas têm responsabilidades na copiosa derrota que sofreram. Apesar de Kamala Harris ter sido uma candidata competente e de ter batido Trump no único debate presidencial, a verdade é que Joe Biden poderá ter custado a eleição ao seu partido. Se tivesse cumprido a alegada promessa de não se candidatar a um segundo mandato, teriam existido eleições primárias e talvez tivesse surgido um candidato com mais hipóteses de bater Trump e menos ligado à sua administração do que a sua vice-presidente. 

Com a desistência de Biden a poucos meses da eleição, e apenas após pressão de líderes democratas como Nancy Pelosi e Barack Obama, Kamala Harris teve pouco tempo para se preparar e, apesar do entusiasmo que a sua entrada na corrida gerou, não foi capaz de ultrapassar o handicap com que partiu. Se é verdade que fez uma campanha bastante positiva, também não podemos deixar de referir que não foi capaz de se descolar suficientemente da imagem de um Biden muito impopular. Fica na memória, por exemplo, a oportunidade perdida no programa The View, da ABC, quando não conseguiu referir nada que tivesse feito diferente de Joe Biden.  

Estas são pelo menos algumas das razões que voltaram a levar Donald Trump para a Casa Branca, desta vez sem que este pusesse em causa a legitimidade da eleição. Contudo, em 2028, Trump já não estará no boletim de voto e deveremos ter a eleição mais aberta das últimas décadas. Será a primeira eleição sem Trump ou Obama em 20 anos e será muito interessante perceber se os republicanos seguem o legado Trump, ou se voltam a um perfil mais tradicional, e se os democratas mudam de rumo e tentam voltar a ser o partidos dos trabalhadores. Seja como for, tudo isso dependerá de como correrem os próximos quatro anos, novamente com Donald Trump na Casa Branca. 

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Vitória para Donald Trump

Donald Trump bateu as suas melhores expectativas e conseguiu uma grande vitória que o fará regressar, a 20 de Janeiro do próximo ano, à Casa Branca para um novo mandato como presidente dos Estados Unidos. Ao que tudo indica, Trump venceu os sete battleground states e ameaçou mesmo estados que pareciam seguros para os democratas, como a Virginia ou o Maine. Além disso, terá também ganho o voto popular, algo que o GOP tinha conseguido apenas uma vez (George W. Bush, em 2004), nos últimos 36 anos. A juntar à Casa Branca, o Partido Republicano consegue ainda o controlo do Senado, onde, a esta hora, conta já com 51 assentos, número que deverá crescer à medida que os votos forem contados. Neste momento, a única dúvida diz respeito ao controlo da Câmara dos Representantes, que pode ainda cair para qualquer dos lados. 

A vitória clara de Donald Trump parece ter a economia como razão principal e os homens hispânicos e as mulheres brancas como os dois grupos demográficos fundamentais. A inflação dos últimos anos, que agora já voltou a números normais, terá estado na origem da derrocada dos democratas nos battleground states. Ironicamente, a administração Biden (e, consequentemente, a vice-presidente Kamala Harris) foi castigada nas urnas pelos efeitos secundários da cura que aplicaram à economia norte-americana na consequência da depressão causada pela pandemia da Covid-19. Apesar dos bons indicadores da economia - desemprego historicamente baixo, inflação sob controlo e a bolsa em alta -, os eleitores norte-americanos não esqueceram o trauma dos meses de grande inflação e recordam positivamente o primeiro mandato de Trump no que diz respeito ao seu poder de compra. 

Neste momento, apenas alguns lugares na Câmara dos Representantes separam Donald Trump e o GOP do controlo total do governo federal dos Estados Unidos. Se juntarem as duas câmaras do Congresso à Casa Branca, os republicanos terão controlo do poder executivo e legislativo, além de contarem com uma maioria de juizes conservadores no Supremo Tribunal. A mais alta instância judicial federal pode ainda ficar com um maior pendor conservador, pois é bem possível que os dois juizes conservadores mais velhos optem por se reformar durante o mandato de Trump por forma a ser um republicano a nomear os seus sucessores. Se assim for, e com o Senado em mãos republicanas, nada impedirá Donald Trump de nomear dois juízes conservadores ainda jovens para garantir o controlo conservador do Supremo Tribunal nas próximas décadas. Dessa forma, a revogação da Roe v Wade pode ser apenas o primeiro ponto na agenda conservadora dos juizes de direita do Supreme Court

À hora que escrevo, Kamala Harris ainda não concedeu a derrota, mas deverá fazê-lo durante ao dia de hoje. A administração Biden/Harris, ao aceitar a derrota e ao realizar uma pacífica transferência de poder, como foi (quase) sempre norma na história dos Estados Unidos, marcará a diferença relativamente ao comportamento de Trump há quatro anos e começará duro período de oposição a uma administração Trump que promete ser ainda mais radical do que a anterior, com possíveis pesadas consequências para a Ucrânia, para as relações transatlânticas e até para a própria economia dos Estados Unidos, se ideias como a aplicação de tarifas forem para a frente. 

2024 foi um ciclo eleitoral como nenhum outro anterior e revelou-se uma verdadeira montanha-russa de emoções até culminar numa vitória de Donald Trump, de forma até mais fácil do que era previsível. Ao mesmo tempo que este ciclo termina, um novo começa. Em 2028 há mais. 

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Vamos conhecer hoje o vencedor da eleição?

É improvável que venhamos a saber hoje (ou na madrugada de amanhã, para quem está do lado de cá do Atlântico), quem sairá vencedor da corrida pela Casa Branca. Prevendo-se uma eleição muito equilibrada, como as anteriores, poderemos ter de esperar até amanhã, ou mesmo mais alguns dias, até termos a certeza do resultado final. Isto porque a maior parte dos sete battleground states não terminará hoje a contagem dos boletins de voto e, havendo pequenas diferenças entre os candidatos, não será possível determinar os vencedores nesses estados.

Dos sete estados que se esperam serem decisivos na eleição, apenas a North Carolina e a Georgia deverão terminar hoje a contagem dos votos de forma a ser definido um vencedor nesses estados e mesmo isso não é garantido. Assim, e como nesses dois estados Trump está obrigado a vencer, parece-me que, caso Kamala Harris triunfe num deles, poderemos, ainda hoje (madrugada de amanhã), ficar com uma forte indicação de que será a democrata a garantir a eleição. Se o candidato do GOP vencer ambos, a disputa continuará nos estados do midwest e do Oeste que demoram mais tempo a contar todos os votos.

Outra hipótese é existir uma surpresa num qualquer outro estado que conta os votos rapidamente e que se pensa estar garantido para um dos lados. Por exemplo, se Harris vencer no Iowa ou no Ohio, ou se Donald Trump ganhar na Virginia, isso seria um tremendo sinal que a corrida estaria inclinado para a democrata, no primeiro caso, ou para o republicano, no segundo. Dessa forma, ficaríamos com uma nítida imagem do desfecho ainda nas primeiras horas da contagem dos votos.

Todavia, o mais provável é que se repita o cenário de 2020, quando apenas no sábado seguinte à eleição se oficializou o vencedor, e que não fiquemos a conhecer o vencedor ainda na noite eleitoral (hora local). Desta vez, porém, não é expectável que se demore tanto tempo, dado que, quatro anos depois, os diversos estados norte-americanos melhoraram os seus procedimentos, além de não atravessarmos, agora, um período pandémico, pelo que acredito que talvez amanhã possamos conhecer o vencedor destas eleições. 

Horários de fecho das urnas

Chegou, finalmente, o dia de todas as decisões. Os norte-americanos vão hoje às urnas (os que não o fizeram antecipadamente) para escolher o próximo presidente dos Estados Unidos. Como em Portugal teremos de fazer noitada para acompanhar a divulgação dos primeiros resultados, aqui ficam os horários, segunda a hora portuguesa, de fecho das urnas ao longo da noite e madrugada (os battleground states estão a negrito):

23:00: A maior parte do Indiana e metade do Kentucky;

24:00: A maior parte da Florida; o resto do Indiana, o resto do Kentucky, Georgia, South Carolina, Virginia

00:30: Ohio; North Carolina; West Virginia; 

01:00: New Hampshire, Alabama, Connecticut, o resto da Florida, Illinois, a maior parte do Kansas, Maine, Maryland, Massachusetts, a maior parte do Michigan, Mississippi, Missouri, New Jersey, a maior parte do North Dakota, Oklahoma, Pennsylvania, Delaware, Rhode Island, metade do South Dakota, Tennessee, a grande maioria do Texas, D.C.;

01:30: Arkansas;

02:00Arizona, Colorado, o resto do Kansas, Louisiana, o resto do Michigan, Minnesota, Nebraska, New Mexico, New York, o resto do North Dakota, o resto do South Dakota, o resto do Texas, Wisconsin, Iowa e Wyoming;

03:00: Parte do Idaho, Montana, Nevada, parte do Oregon e Utah;

04:00: Califórnia, o resto do Idaho, a maior parte do Oregon e Washington (estado);

05:00: Alaska e Hawaii.

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

As minhas apostas


Ora aqui está a minha previsão para o mapa eleitoral da corrida presidencial de 2024. Como se percebe, a minha aposta é que Kamala Harris será a próxima presidente dos Estados Unidos, conquistando 308 votos eleitorais face aos 230 amealhados por Donald Trump, e tornando-se a primeira mulher a presidir aos domínios da nação norte-americana. 

Prevejo que a candidata democrata vença em seis dos sete battleground states, apenas deixando o Arizona escapar para a coluna republicana. Sei que é uma aposta arriscada e não a faria há uma ou duas semanas, mas existem alguns sinais de que as sondagens estarão, desta vez, a subrepresentar o apoio à nomeada do Partido Democrata, que deverá ainda ganhar no voto nacional por cerca de quatro pontos percentuais relativamente a Trump.

Para alcançar este resultado, acredito que Kamala Harris consiga aumentar significativamente a participação eleitoral dos jovens e das mulheres, dois grupos que votarão em maior número do que as empresas de sondagens antecipam e que apoiarão, maioritariamente, a candidata democrata. Com o tema do aborto e da saúde da democracia americana a prevalecerem sobre a preocupação da situação económica que começa, agora, a mostrar sinais mais evidentes do seu bom desempenho, Harris manterá a coligação que, há quatro anos, elegeu Joe Biden, composta por eleitores urbanos, com educação universitária, mulheres, afro-americanos e hispânicos, ao mesmo tempo que melhorará o desempenho junto das mulheres brancas, um segmento essencial para a dimensão do seu triunfo.

Apesar de eleita para a Casa Branca, Kamala Harris terá de saber ultrapassar um Congresso não totalmente alinhado com a sua agenda política, pois prevejo que o Senado passe a ser controlado pelos republicanos, ainda que pela margem mínima. Com muitos lugares em terreno difícil para defender, os democratas, apesar de aguentarem assentos em corridas complicadas no Wisconsin, Michigan, Ohio, Pennsylvania, Arizona, Nevada e Pennsylvania (ajudados pelo desempenho acima do esperado de Kamala Harris que alavancará os restantes candidatos democratas), não serão capazes de segurar os lugares na West Virginia e no Montana, perdendo, assim, a maioria na câmara alta. 


Em sentido inverso, acredito que os democratas inverterão o cenário actual na câmara baixa do Congresso e conquistarão a maioria na Câmara dos Representantes. Nesse caso, também Hakeem Jeffries faria história ao tornar-se o primeiro negro a servir como Speaker of the House. Também empurrados pela "onda" de apoio a Kamala Harris, os democratas ficarão, ainda assim, com uma curta margem de manobra, pois não deverão contar com mais de uma dezena de congressistas de vantagem relativamente ao GOP.

Fica, assim, feita a minha previsão final para a muito antecipada noite e madrugada eleitoral. Que não falte café para nos manter acordados numa jornada que se antecipa longa, mas interessante e, até, emocionante. 

As previsões finais


Estamos na véspera do grande dia (noite e madrugada) e, por isso, está na altura de passar em revista as últimas previsões. Mais tarde, como não poderia deixar de ser, farei a minha aposta final.

FiveThirtyEight

Hipóteses de vitória: Trump 53% - Harris 46%

Votos eleitorais:  Trump 297 - Harris 241

The Silver Bulletin

Hipóteses de vitória: Trump 50,4% - Harris 49,2% 

Votos eleitorais: Trump 287 - Harris 251 

The Economist

Hipóteses de vitória: Harris 50% - Trump 50%

Votos eleitorais: Harris 270 - Trump 268

Real Clear Politics

Votos eleitorais: Trump 287 - Harris 251 

Larry Sabato's Crystal Ball

Votos eleitorais: Harris 276 - Trump 262

Cook Political Report

Votos eleitorais: Harris 226 - Trump 219 - Toss up 93

Como se vê, o equilíbrio é a nota dominante e se a eleição for, como se prevê, muito renhida e decidida por poucos votos eleitorais, as sondagens e os modelos de previsão terão motivos para cantar vitória. Contudo, se assistirmos a uma surpresa e um dos candidatos ganhar de forma relativamente confortável, então as sondagens terão voltado a falhar e ficarão (ainda mais) debaixo de fogo. Seja como for, já não falta muito para sabermos a resposta a esta questão. 

Closing arguments: Donald Trump

Closing arguments: Kamala Harris

domingo, 3 de novembro de 2024

Estarão as sondagens a esconder uma surpresa?

Nas últimas semanas, todos ouvimos (e eu escrevi) que a corrida entre Kamala Harris e Donald Trump está completamente empatada. As sondagens são unânimes em apresentar diferenças entre os candidatos nos battleground states sempre dentro das margens de erro e mesmo as sondagens nacionais mostram um empate ou uma curta vantagem da concorrente democrata. Contudo, alertado por alguns especialistas, como Nate Silver, estranho sempre quando 99% das sondagens mostram exactamente a mesma coisa, pois pelo menos uma em cada vinte deveria falhar e mostrar um resultado outlier - por exemplo, Trump a vencer no Michigan por cinto pontos percentuais.

Assim, podemos muito bem estar a assistir a um fenómeno chamado de herding. Ora, o herding acontece quando as empresas de sondagens escondem resultados que se desviem do consenso ou alteram mesmo os seus estudos para que se aproximem daqueles que são esperados e apontados pelas outras empresas. Desta forma, as empresas de sondagens defendem-se de outliers nos seus estudos que afectem negativamente a sua reputação e façam o seu rating descer, mas evitam que o público e os analistas se apercebam de possíveis surpresas ou de mudanças na dinâmica da corrida. Além disso, a ausência de outliers, mesmo que não passem disso mesmo, prejudicam os modelos agregadores de sondagens, que vivem de médias e precisam de ser "alimentados" por todos os tipos de sondagens, outliers ou não.

E porque é que decidi escrever agora sobre isto? Precisamente porque saiu ontem a muitíssimo reputada sondagem do Des Moines Register, um jornal do Iowa, sobre a corrida neste estado, onde Trump venceu por nove pontos em 2020. Sob condução de Ann Selzer, esta sondagem é sempre esperada com grande expectativa, especialmente antes do caucus do Iowa, pois tem um histórico praticamente infalível na previsão de resultados do estado. Por exemplo, em 2020, esta sondagem indicou Trump na frente no Iowa por 7% (venceria por 8%), quando a maioria das sondagens mostravam a corrida bem mais equilibrada e parecia que Joe Biden rumava para uma eleição relativamente fácil. Em Junho, a sondagem de Selzer mostrava Trump na frente por 18% e, em Setembro, essa vantagem diminui para uns já surpreendentes 4%, tendo em conta que o Iowa tem virado à direita nos últimos anos e se esperava que fosse terreno seguro para o candidato republicano.

Ora, ontem à noite, Ann Selzer publicou a sua última sondagem sobre o Iowa antes da eleição e os resultados mostraram uma vantagem de Kamala Harris de três pontos percentuais sobre Donald Trump! Esta notícia caiu que nem uma bomba na campanha e podemos, agora, especular se o herding está ou não a esconder-nos uma potencial vantagem da democrata na corrida que as empresas não nos estão a querer mostrar com medo de estarem erradas. Este é um cenário ainda mais plausível quando nos lembramos que as sondagens subvalorizaram os resultados de Trump nas duas últimas eleições presidenciais e que, por isso, as empresas de sondagens querem, a todo o custo, evitar cair no mesmo erro. 

Claro que esta sondagem pode não passar de um outlier, até porque seria uma grande surpresa se Kamala Harris vencesse no Iowa, depois de Biden ter aí perdido por 8%. Isso significaria um ganho de onze pontos para os democratas, algo que não é muito comum acontecer, especialmente no actual clima polarizado da política norte-americana. Ainda assim, temos de dar muito crédito a Ann Selzer, pois não cedeu ao herding e mostrou-nos um resultado totalmente fora do esperado e do consenso das outras sondagens (ainda ontem, outra sondagem mostrou Trump na frente no Iowa por 4%). 

O passado diz-nos que não devemos apostar contra Ann Selzer, que conhece o Iowa como ninguém e raramente ou nunca falha, mesmo quando vai contra a corrente das restantes sondagens. Será interessante perceber se, nos próximos dois dias, surgem mais algumas sondagens "fora da caixa" encorajadas pelo resultado do Des Moines Register. Se tal não acontecer, poderá ser um sinal de que esta sondagem é apenas um outlier. Todavia, só iremos ter a certeza disso daqui a dois dias. Até lá, eu confio em Ann Selzer. 

sábado, 2 de novembro de 2024

As campanhas

Estamos mesmo na recta final da campanha presidencial nos Estados Unidos e a indefinição mantém-se sobre quem ocupará a Sala Oval a partir de 20 de Janeiro do próximo ano. Todas as sondagens continuam a mostrar um grande equilíbrio, especialmente nos sete battleground states que decidirão a corrida. Entretanto, decorre voto antecipado e cerca de um terço do eleitorado já terá depositado o seu boletim de voto. Contudo, as campanhas continuam e intensificam a sua mensagem e o seu alcance, tentando, por todos os meios chegar aos (poucos) eleitores indecisos e convencer os seus apoiantes a irem às urnas. 

Kamala Harris conseguiu, neste ciclo eleitoral, deixar cair a imagem de fraca campaigner com que saiu da campanha de 2020 e revelou ser uma boa candidata que animou a base democrata a partir do anúncio da sua candidatura. Sem falhas nem gaffes, apostou numa campanha de vibes, tentando capitalizar o entusiasmo que a sua candidatura suscitou. Apresentou-se como a concorrente challenger e baseou a sua campanha numa mensagem de esperança e mudança - "Yes, we Kam" -, apesar de ser a actual vice-presidente. Esta estratégia não é disparatada, tendo em conta a impopularidade de Joe Biden e o clima anti-incumbência que se tem sentido um pouco por todo o mundo nos últimos tempos. Além disso, concorre contra um antigo presidente, com quase 80 anos, pelo que pode ser que consiga capitalizar com esta estratégia delineada pelo seu staff, composta por um misto de operativos da sua equipa, da de Biden e até de antigos staffers de Barack Obama.

Terá também apostado numa campanha menos centrada em políticas, porque, na verdade, os dois grandes temas que dominam a agenda são favoráveis a Trump e ao GOP - a economia e a imigração. Se sobre esta última é um facto que os democratas, por opção ou por incapacidade, não controlaram o aumento da imigração para os Estados Unidos, já a situação económica é mais uma questão de perceção do que de realidade, visto que a economia americana apresenta indicadores bastante positivos. Seja como for, Kamala Harris e os democratas optaram por centrar as suas atenções nas questões do aborto e da defesa da democracia, com a primeira a ser o seu grande trunfo eleitoral, nomeadamente junto das mulheres mais jovens, que têm reforçado a sua preferência pelos democratas desde a revogação da Roe v Wade.

Estas opções por parte de Harris parecem ter tido alguma repercussões na sua coligação eleitoral. As sondagens têm apontado para uma certa erosão do voto democrata nos negros e nos hispânicos (cada mais suscetíveis a mensagens económicas), mas que pode ser compensado por uma maior percentagem de voto no eleitorado branco, em especial das mulheres e daqueles que têm estudos superiores. No que ao colégio eleitoral diz respeito, isso podem ser más notícias para Kamala no Sul (Georgia) e no Oeste (Nevada e Arizona), mas boas notícias no Midwest (Michigan, Wisconsin e Pennsylvania) e ainda na North Carolina. 

Por sua vez, Donald Trump realizou uma campanha à sua imagem. Ao contrário de Kamala Harris, que contou com inúmeros surrogates, fossem eles do mundo da política (os Obama, os Clinton, ou o próprio Biden) ou do showbusiness (Bruce Springsteen, Oprah, Jennifez Lopez, Beyoncé, etc.), a campanha de Trump foi um one man show, como não podia deixar de ser. Apesar da idade, Donald Trump andou por todo o país e participou em dezenas de eventos e comícios, alguns com várias horas de duração, ainda que, nalguns casos, tenha demonstrado algum cansaço e falta de concentração.

Ao seu jeito, e talvez de forma ainda mais agressiva do que em 2016 e 2020, Trump não perdoou os seus opositores no trilho da campanha e os seus discursos foram, não raras vezes, chorrilhos de insultos, acusações e ameaças para os democratas e para quem o criticou ou, apenas, não o apoiou. Ainda assim, actualmente, e de acordo com as sondagens, Trump já não é tão impopular como nas duas últimas campanhas. Para isso, terá contribuído a tentativa de assassinato a que sobreviveu, que o tornou mais humano aos olhos dos eleitores e o facto de os americanos já se terem habituado ao perfil do candidato republicano. 

Como os eleitores parecem ter boas recordações do mandato de Trump na Casa Branca, associado ao período pré-inflação, o concorrente do GOP aposta forte nesse tema, prometendo reduzir o custo de vida e melhorar a situação económica do país, ainda que faça promessas, como a de aumentar as tarifas de importação, que suscitam muitas dúvidas e possam mesmo ser contraproducentes. Também o controlo da imigração tem estado no centro da sua mensagem de campanha, ou não fosse esse o tema original de Trump que o levou ao topo do Partido Republicano. Porém, desta vez, o anterior build that wall endureceu e transformou-se num discurso bem mais xenófobo e mesmo racista, como ficou patente no recente comício de Trump no Madison Square Garden, em Nova Iorque, onde um comediante afecto ao GOP apelidou Porto Rico de "lixo". 

Apesar de todos os defeitos e excessos de Trump, muitos eleitores parecem continuar a contar com ele para melhorar a sua situação económica. São principalmente eleitores rurais e da classe trabalhadora sem estudos superiores - os blue collar workers. Muitos deles podem nem sequer gostar de Trump, mas acreditam no discurso isolacionista do America First e têm esperança que a América rural e industrial regresse aos seus tempos áureos. 

Por outro lado, Donald Trump tem sido relativamente bem sucedido no apelo ao eleitorado hispânico, que nas últimas décadas era um bastião democrata. Contudo, muitos deles são small business owners e a mensagem económica de Trump soa-lhes de forma favorável. Além disso, cada vez mais são já imigrantes de segunda ou terceira geração, pelo que o discurso pró-imigração dos democratas já não lhes é tão próximo, quando não é, até, contraproducente. 

No fim de contas, ambas as campanhas tiveram uma coisa em comum: falaram principalmente para o seu eleitorado. Numa América totalmente dividida politicamente, esta campanha não serviu para curar feridas ou fazer pontes entre os dois lados da barricada. Porém, daqui a poucos dias, um deles sairá obrigatoriamente vencedor e sabermos, nessa altura, qual das campanhas foi mais eficaz e alcançou o seu objectivo. Mas, até lá, ainda há muitos eleitores para cortejar e, numa corrida tão renhida, todos os votos contam. 

sábado, 26 de outubro de 2024

Onde seguir os últimos 10 dias da campanha


A dez dias da eleição nos Estados Unidos (ainda que já se esteja a votar antecipadamente), a corrida tem-se mantido estável e sem grandes surpresas ou alterações nos números das sondagens. Nos últimos dias, a photo op de Donald Trump num McDonalds, a parada de estrelas, como Barack Obama, Bruce Springsteen ou Beyoncé nos comícios de Kamala Harris ou, ontem, a decisão do Washington Post em não anunciar o seu apoio oficial a um dos candidatos têm marcado a agência mediática.

Para que se possa fazer o melhor e mais detalhado acompanhamento possível destes últimos dez dias de campanha eleitoral, deixo aqui as minhas sugestões dos melhores locais para seguir aquela que muitos consideram como a mais importante eleição presidencial norte-americana de sempre. 

New York Times - Provavelmente o mais conceituado órgão de comunicação social dos Estados Unidos, o NYT é um gigante dos media e apresenta um acompanhamento exaustivo de tudo o que tem a ver com a eleição presidencial. Além da qualidade e quantidade dos artigos, o diário nova-iorquino conta com uma das melhores equipas de sondagens e análise de resultados. Nate Cohn e a já famosa The Needle serão de consulta constante e obrigatória na noite eleitoral. Apesar de existir paywall, neste momento é possível assinar  a versão digital o por apenas 2€/mês. Acreditem que vale bastante a pena.

Politico - Com o advento da internet como a principal fonte de conteúdo noticioso sobre política, o site politico.com tornou-se uma referência e foi capaz de ombrear com nomes históricos do jornalismo norte-americano, como o New York Times, o Washington Post, a CNN ou a NBC. Apesar de já não contar com o factor "novidade", o Politico continua a ter imenso conteúdo e merece uma visita atenta por parte dos verdadeiros political junkies

FiveThirtyEight - Agora integrado na ABC News, o site fundado por Nate Silver (que, entretanto, abandonou o projecto), continua a ser local de visita obrigatória quando queremos saber mais sobre o panorama pré-eleitoral norte-americano. Ainda que a experiência de navegação não seja actualmente a melhor (tenho sempre dificuldades em, por exemplo, encontrar o seu forecast eleitoral), o conteúdo continua muito interessante e com uma apresentação bastante apelativa. Além do site, aconselho o seu podcast, apresentado por Galen Druke, que já sigo religiosamente desde 2016. 

Real Clear Politics - Apesar de contar com muito conteúdo e de agregar muita informação de outros locais, uso principalmente o RCP para conhecer as mais recentes sondagens. No âmbito dos estudos de opinião, o Real Clear Politcs é, porventura, o local com mais informação disponível e conta ainda com os seus próprios mapas eleitorais, onde apresenta o estado da corrida e faz previsões de resultados, tanto para a presidência como para as outras corridas mais importantes. 

Political Wire - Fora da época alta da política americana (leia-se, em anos em que não há eleições presidenciais), o site de Taegen Goddard (tem nome de persondagem de Game of Thrones) é a minha principal fonte de informação. Com um ritmo de actualização verdadeiramente frenético, podemos encontrar neste local, de forma muito resumida, todos os principais destaques do dia no que diz respeito à política norte-americana. 

CNN - Seguir a noite eleitoral neste já histórico canal de notícias é um clássico. A CNN conta, a meu ver, com a melhor equipa de pivots da televisão norte-americana, com destaque para Wolf Blitzer e Jake Tapper. Além disso, John King e a sua magic wall são absolutamente indispensáveis para percebemos ao pormenor o que se passa no terreno e quais as tendências que possibilitam antever o desfecho da noite eleitoral. Em 2024, como em todas as noites eleitorais que acompanho desde 2008, terei a minha tv ligada na CNN. 

Newsletters - Qualquer site ou meio de comunicação social conta com uma ou mesmo várias newsletters para criar engagement e entrar directamente na caixa de correio dos leitores. Contudo, aqui, queria deixar apenas duas sugestões, ambas relacionadas com sondagens. A newsletter do Silver Bulletin, do acima mencionado Nate Silver, e a Christal Ball de Larry Sabato. Silver e Sabato são verdadeiros ícones da análise de sondagens e das corridas presidenciais e eu sou um leitor fiel de ambos, há já muitos anos. 

Nestes ou noutros locais, pois cada um terá os seus gostos e as suas preferências, esta eleição será acompanhada, a par e passo, por milhões de pessoas espalhadas por todo o mundo. Espero que também o Máquina Política seja um local de passagem para muitos interessados ou simples curiosos neste incrível acontecimento que são as eleições presidenciais dos Estados Unidos da América. 

sábado, 19 de outubro de 2024

Vantagem para Trump?


A presente campanha pela presidência dos Estados Unidos tem sido marcada, como tenho dito, por um enorme equilíbrio, à imagem do que aconteceu nas duas últimas corridas pela Casa Branca, em 2016 e 2020. Nos últimos, dias, porém, assistiu-se a um (muito) pequeno movimento nas sondagens em favor de Donald Trump. Apesar de ser uma tendência pouco perceptível, parece-me que é algo mais do que mero ruído estatístico e que o candidato republicano, a pouco mais de duas semanas do dia das eleições, melhorou ligeiramente a sua posição na corrida.

Depois do desastroso debate de Joe Biden e até ao ainda presidente abdicar da candidatura à reeleição a favor da sua vice-presidente, Kamala Harris, Trump parecia lançado para um segundo mandato na Casa Branca, pois eram muitas as dúvidas sobre a capacidade de Biden conseguir cumprir mais quatro anos na presidência. Mas, com Harris, o entusiasmo democrata ressurgiu e a boa prestação da democrata no seu único debate com Trump, bem como a bem sucedida convenção nacional democrata foram dois importantes momentos que catapultaram a actual vice-presidente para bons números nas sondagens e a ter um pequeno favoritismo na corrida.

Contudo, nas últimas duas ou três semanas, a campanha estabilizou e não houve grandes motivos de destaque. Talvez isso tenha levado alguns independentes com maior tendência para votar no GOP a "voltar para casa", depois de terminado o período de "lua de mel" de Kamala Harris. Estamos a falar de uma ínfima percentagem de eleitores e não de um movimento significativo. As sondagens nacionais, por exemplo, mostravam uma vantagem da democrata na casa dos 3%, quando, agora, esse número desceu para cerca de 2%, o que pode ser suficiente para que Trump vença o colégio eleitoral, mesmo saindo derrotado no número total de votos a nível nacional. 

Nos sete battleground states decisivos, Trump tem também mostrado sinais de força e o site Real Clear Politics atribui já vantagem ao candidato republicano em todos eles. Todavia, é preciso ter em atenção que, neste ciclo eleitoral, e especialmente nos dias mais recentes, temos sido inundados por sondagens de empresas de estudos de opinião com ligação ao partido Republicano e que isso tem sempre influência nos números, mesmo que os modelos agregadores de sondagens tenham em consideração esse house effect nos resultados que apresentam. 

Este alegado movimento nas sondagens foi já detectado pelos modelos que tentam prever o resultado da corrida. Tanto o FiveThirtyEight como o SilverBulletin atribuem, à hora que escrevo, um ligeiro favoritismo a Trump, que conta, em ambos os modelos, com uma probabilidade de vitória de 52%, tendo Harris 48% de hipóteses de ganhar a eleição.  

Também as duas campanhas parecem observar, nos seus números e sondagens internos, esta mesma tendência, pelo menos a julgar pela sua estratégia actual. Trump comporta-se como o frontrunner da corrida, a recusar um segundo debate com a sua opositora e dando-se ao luxo de desperdiçar tempo e recursos em eventos em estados que estão fora do seu alcance, como em Nova Iorque e na Califórnia. Por sua vez, Kamala insiste num segundo debate que possa voltar a ser-lhe favorável e mostra-se mais propensa ao risco e tenta alargar o seu universo de eleitores, tendo mesmo dado uma entrevista à conservadora Fox News, procurando uma incursão no eleitorado do seu adversário.

Significa tudo isto que Donald Trump tem agora um momentum decisivo e que a eleição começa a escapar a Kamala Harris? Neste momento, a minha resposta é "não". Ainda que Trump tenha melhorado a sua posição, a verdade é que a corrida continua virtualmente empatada e ter 48% ou 52% de hipóteses não é uma diferença estatisticamente relevante. Assim, o desfecho da disputa pela Casa Branca continua tão incerto como um coin flip

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

A batalha pelo Congresso

Como não podia deixar de ser, a corrida pela Casa Branca captará a maior parte das atenções na noite eleitoral de 5 de Novembro. Contudo, os eleitores norte-americanos irão às urnas para decidir um enorme número de outras eleições, sejam elas para órgãos locais (como cargos de xerife, por exemplo), referendos vários (os que têm como tema o aborto terão destaque nacional), para os governos estaduais ou para o Congresso federal. Com mais impacto a nível nacional e até internacional, são estas últimas eleições que, depois das presidenciais, suscitam maior interesse para os observadores internacionais. 

Em 2024, e como sempre acontece a cada dois anos, todos os 435 lugares da Câmara dos Representantes vão a votos, enquanto que, no Senado, são 34 dos 100 assentos que estarão em disputa. À imagem do que acontece na corrida presidencial, também a disputa pelo controlo das duas câmaras do órgão legislativo do governo federal dos Estados Unidos da América está a ser marcado pelo equilíbrio entre democratas e republicanos.

Actualmente, a Câmara dos Representantes é controlada pelo GOP, ainda que por uma margem muitíssimo curta - existem 220 congressistas republicanos e 212 democratas (três lugares estão, por agora, vagos). Tudo indica que 2024 será muito semelhante aos últimos ciclos eleitorais da House e que, independentemente do vencedor, a diferença em número de congressistas entre os dois partidos se mantenha em números reduzidos. 

A pouco mais de duas semanas das eleições, as previsões não permitem arriscar que partido poderá indicar o Speaker of the House. O FiveThirtyEigth, por exemplo, atribui 53% de hipóteses para uma vitória republicana e 47% para um triunfo democrata. Já no Cook Political Report, podemos consultar uma visão mais abrangente do estado da corrida pela Câmara dos Representantes e perceber que, dos 435 lugares, 202 estarão, com diferentes graus de certeza, do lado democrata e 208 deverão cair para os republicanos. Sobram, assim, 27 corridas empatadas que decidirão quem consegue alcançar, pelo menos, os 218 assentos necessários para controlar a câmara baixa. 

Como se percebe por estes números, o equilíbrio é a nota dominante e qualquer um dos lados pode sair vitorioso. Contudo, as eleições para a Câmara dos Representantes, por terem um universo relativamente pequeno e poderem ser mais voláteis, são mais propícias a surpresas - não é invulgar o resultado final de uma corrida para a House diferir em dezenas de pontos percentuais dos números das sondagens. Além disso, pode também existir um spillover de dimensão nacional nestas eleições e um dos partidos conseguir bater as sondagens e amealhar todas as corridas tossup e até algumas que pareciam estar relativamente seguros no campo adversário. 

Se na disputa pela Câmara dos Representantes a situação é a de um verdadeiro empate, já a decisão do controlo do Senado parece estar bastante encaminhada a favor do Partido Republicano. Se hoje os democratas são maioritários na câmara alta, contando com 51 senadores democratas ou independentes que votam do seu lado, o panorama deste ciclo eleitoral para 2024 é-lhes imensamente desfavorável, já que, dos 34 lugares em jogo, 23 são ocupados por democratas. Desses 23, é certo que perderão o assento na West Virginia, com a reforma de Joe Manchin, o último dos Blue Dogs (democratas conservadores). Além disso, tudo indica que sairão ainda derrotados no Montana, onde o Senador Jon Tester tem surgido consistentemente atrás do challenger republicano, Tim Sheehy. 

Por seu lado, os democratas não têm grandes perspectivas de virarem qualquer lugar em mãos republicanas, ainda que existam alguns long shots no Nebraska, no Texas e na Florida. Não acredito, porém, que consigam vencer qualquer uma destas eleições, sendo que será no Nebraska, um bastião republicano, que terão mais probabilidades de sucesso. Vencendo uma destas corridas, terão ainda de triunfar em todas as corridas actualmente empatadas - Ohio, Pennsylvania, Michigan e Wisconsin (e, não por coincidência, todos estes estados situam-se no Midwest e, com excepção do Ohio, são também battleground states na corrida pela Casa Branca) e de esperar que Kamala Harris derrote Donald Trump para que seja o vice-presidente democrata a desempatar esse eventual cenário de 50 democratas e 50 republicanos no Senado. 

Assim, temos em perspectiva uma longa e interessante noite (madrugada, no caso dos portugueses) eleitoral. Além de ficarmos a saber (será?) quem ocupará a Sala Oval, também descobriremos se o novo presidente terá no Congresso um aliado para fazer passar os seus pacotes legislativos, se terá um Congresso hostil, ou se assistiremos a um cenário híbrido, com uma câmara de cada cor partidária (como agora acontece) para baralhar ainda mais o já turbulento panorama político norte-americano. 

sábado, 12 de outubro de 2024

The Issues




















Num panorama político cada vez mais polarizado e onde existem menos indecisos e menos swing voters, os grandes temas das campanhas vão perdendo destaque e importância na corrida eleitoral, mas, ainda assim, existem alguns assuntos que dominam as atenções e são decisivos aquando da escolha do sentido de voto dos eleitores. Importa, por isso, passar em revista os principais temas que têm dominado a campanha pela Casa Branca e que determinarão o vencedor da eleição.

Economia - Como sempre, "it's the economy, stupid" e a economia continua a ser o factor mais importante que os eleitores analisam quando decidem o seu voto. Actualmente, a economia norte-americana está numa situação relativamente positiva, com o desemprego em baixa, a bolsa em alta e o poder de compra a subir ligeiramente. Segundo as tendências, a economia ainda melhorará, ainda que pouco significativamente, até 5 de Novembro.

Posto isto, seria de esperar que Kamala Harris, vice-presidente na actual administração, colheria os louros da boa prestação económica dos Estados Unidos. Contudo, no tema da economia, é Donald Trump que tem levado vantagem junto dos eleitores, principalmente pelo trauma que a alta inflação de 2022 e 2023 deixou na população norte-americana durante o mandato de Biden e porque a maioria dos eleitores tem memória positiva do mandato de Trump no que à economia diz respeito.  

Democracia - A insurreição de 6 de Janeiro de 2021 e a negação da derrota na última eleição por parte de Trump, colocou dúvidas sobre a saúde da democracia dos Estados Unidos da América. Muitos democratas temem que, caso perca, Donald Trump volte a não assumir a derrota e apele à revolta dos seus apoiantes, o que pode originar numa nova onda de violência. Temem ainda que, caso vença, Trump utilize o seu poder presidencial para atacar até acusar judicialmente os seus adversários políticos. 

Por seu lado, grande parte do eleitorado republicano, baseado em informação falsa e totalmente infundada, preocupa-se com uma eventual fraude eleitoral, como votos de imigrantes ilegais, que impeçam a vitória do seu candidato, como alegam, falsamente, ter acontecido há quatro anos. 

Segurança e Imigração - Apesar de serem dois temas claramente distintos, escolhi juntar a segurança e imigração num só tópico dada a clara estratégia da campanha republicana em ligar a imigração a uma alegada sensação de insegurança no país. Para a história dos debates presidenciais americanos ficou já a estapafúrdia frase de Trump "They're eating cats and dogs", alegando que imigrantes do Haiti estariam a raptar e comer animais domésticos numa pequena cidade do Ohio. Apesar dos exageros e da retórica incendiária de Trump, a verdade é que os americanos estão mesmo preocupados com o aumento dos números da imigração e com a situação na fronteira com o México, que continua a ser atravessada por milhares de imigrantes ilegais à procura de uma vida melhor.

Apesar de os Estados Unidos serem, desde a sua fundação, a Terra da Oportunidade e de a Estátua da Liberdade ter uma inscrição que começa com "Give me your tired, your poor", a desconfiança em relação aos que chegam do exterior tem vindo a crescer. E já não são apenas os brancos a defender uma maior restrição à imigração: os afro-americanos e mesmo os hispânicos de segunda ou terceira geração temem uma grande vaga migratória que ameace os seus empregos e mesmo a sua segurança. Por isso, este é um tema onde a mensagem republicana, de fecho de fronteiras e deportação de imigrantes ilegais leva vantagem sobre a posição mais permissiva dos democratas.

Educação e Saúde - Menos presenet do que noutros ciclos eleitorais, os assuntos internos da nação americana, como a educação, a saúde ou a segurança social, têm sido, desta vez, menos falados. Isto acontece, principalmente, porque é menor a diferença entre as posições dos dois grandes partidos. Trump é um populista e não um conservador fiscal e defensor de um small government, como os candidatos republicanos tradicionais, e até já deixou de tentar desmantelar o Obamacare, o sistema de saúde reformado por Barack Obama que, ao longo dos anos, se tornou bastante popular. Como é tradicional, os norte-americanos continuam a confiar mais nos democratas para estes temas, mais relacionados com o welfare state e com os serviços providenciados pelo estado, por isso talvez não seja uma boa notícia para eles que estes assuntos estejam menos presentes na campanha. 

Aborto - Se no tópico anterior falei num assunto caro aos democratas, mas agora menos premente na opinião pública, o aborto pode muito bem ter sido o tema que veio compensar essa perda. A revogação da "Roe v Wade" pelo Supremo Tribunal voltou a trazer o aborto para a linha da frente das campanhas eleitorais norte-americanas. Este tema tem sido bastante "cavalgado" pelos candidatos democratas e essa estratégia teve resultados muito positivos nas eleições intercalares de 2022. Sem uma resposta coerente e eficaz para um assunto onde a posição republicana é altamente impopular, o GOP tem procurado não falar no tema, o que não tem resultado perante a insistência democrata em apostar no aborto como tópico constante no trilho de campanha. Donald Trump tem feito grandes flip flops sobre este tema, o que ainda tem ajudado mais a campanha de Kamala Harris, que aposta forte neste tópico para incentivar o eleitorado feminino (em especial, as jovens) a votar na candidata democrata. 

Política Externa - Deixei para o fim o tema que nos diz mais a nós, não norte-americanos: a política externa dos Estados Unidos. Este ano, a guerra na Ucrânia e o conflito israelo-palestiniano têm dominado as notícias e trazem algumas da mais profundas diferenças entre Kamala Harris e Donald Trump. Se Kamala quer manter e até aumentar o apoio norte-americano à Ucrânia, já Donald Trump, cuja boas relações com Putin são conhecidas, já disse querer cortar o apoio à nação invadida pela Rússia e ajudar a encontrar uma solução imediata para o fim da guerra na Europa Oriental. No que diz respeito à situação no Médio Oriente, o candidato republicano é totalmente pró-israelita enquanto que a democrata tenta um maior equilíbrio entre o apoio a Israel e a procura de uma solução de dois estados para o conflito, apelando à contenção de Israel nas suas acções militares, reflectindo esta posição uma maior divisão do eleitorado democrata à relativamente questão israelo-palestiniana. 

Assim, se Putin e Netanyahu preferirão, obviamente, uma vitória de Donald Trump, já a esmagadora maioria do mundo ocidental torcerá pela vitória de Kamala Harris, até porque o anterior presidente continua a ameaçar com um isolacionismo cada vez mais pronunciado e que poderá minar a coligação política e militar do Ocidente. Porém, para os norte-americanos, em 2024, a política externa continuará a ser muito pouco relevante na hora de escolherem em quem votar, já que serão os assuntos internos, referidos em cima, a revestirem-se de maior importância para a grande decisão de 5 de Novembro.

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

O que os números nos dizem


Abri este ciclo de 2024 no Máquina Política a apresentar os battleground states decisivos para a escolha do próximo presidente dos Estados Unidos. Nesse post, salientei que a corrida está empatada e totalmente em aberto, mesmo que hoje tenha saído uma sondagem Reuters/Ipsos nacional que apresenta uma vantagem de sete pontos percentuais para Kamala Harris (47%-40%). Todavia, e tendo em conta todos os estudos de opinião conhecidos, é provável que esta sondagem seja um outlier, ainda que não se possa descurar que este resultado seja a primeira manifestação de uma tendência que venha a ser confirmada mais tarde.

A menos de um mês do dia das eleições, é previsível que não haja grandes alterações no estado da corrida, salvo uma surpresa de Outubro ou se Donald Trump aceitar um novo debate televisivo. Assim, podemos antever que aquilo que as sondagens no dizem hoje é muito representativo dos resultados eleitorais definitivos. Isto, claro, se considerarmos que as sondagens não falharão, como aconteceu em 2016 e em 2020.

Em média, as sondagens têm um desvio de cerca de 4% relativamente ao resultado final. Por isso, e como o consenso dos estudos de opinião é que a corrida se encontra empatada, podemos ainda ter um resultado relativamente desnivelado para qualquer um dos lados, sendo que, a verificar-se tal desvio, será mais provável que aconteça a favor de Trump, cujos resultados foram subvalorizados nas duas anteriores eleições. Porém, com dois ciclos eleitorais para analisarem, e com o fenómeno Trump hoje bem mais consolidado, é natural que as empresas de sondagens tenham conseguido adaptar os seus modelos de forma a preverem com mais exactidão os resultados do nomeado do GOP.

Por outro lado, importa perceber que, por causa do sistema de Colégio Eleitoral, os números nacionais pouco importam para termos uma noção de quem lidera a disputa pela Casa Branca. Como aconteceu em 2016 e 2020, os republicanos contam com uma importante vantagem nos votos eleitorais, porque os democratas "desperdiçam" muitos votos em estados muito populosos (a Califórnia é o melhor exemplo) e porque os republicanos vencem em muitos dos estados mais pequenos, cujo peso no Colégio Eleitoral é desproporcionalmente elevado. Desta forma, calcula-se que Kamala Harris terá de vencer pelo menos por 3% no total dos votos para estar confortável na contagem dos votos eleitorais.

Assim, o mais relevante será seguir os números nos sete estados decisivos, mas como todas as sondagens têm colocado a corrida em todos eles como estando dentro da margem de erro, também não conseguimos, neste momento, retirar grandes ilações a não ser aquela que já fiz: a eleição está empatada e é impossível antecipar um vencedor. Seja como for, deixo em baixo um apanhado das previsões dos vários analistas e modelos de agregação de sondagens, ficando bem demonstrado a total imprevisibilidade da corrida pela presidência norte-americana. 

Nate Silver Bulletin - Harris 55% - Trump 45% (hipóteses de vitória)

FiveThirtyEight - Harris - 53% - Trump 46% (hipóteses de vitória)

Cook Political Report - Harris 226 - Trump 219 (votos eleitorais)

Larry Sabato's Christal Ball - Harris 226 - Trump 219  (votos eleitorais)

Real Clear Politics - Harris 215 - Trump 219 (votos eleitorais)

The Economist - Harris 273 - Trump 265 (votos eleitorais, sem toss ups)

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

The Donald













Em 2016, no início da campanha das primárias presidenciais republicanas, disse, num programa da TSF, que fazia todo o sentido que a candidatura de Donald Trump fosse seguida, como fazia o Huffington Post, nas secções de entretenimento dos media e não nas de política. Não podia ter dito um maior disparate, pois, hoje, oito anos depois, Trump já venceu três nomeações presidenciais pelo GOP e ocupou, durante um mandato, a Sala Oval. Como em 2016 e em 2020, The Donald é novamente o candidato do partido conservador à Casa Branca.

Trump nasceu em 1946, no seio de uma família abastada. O seu pai era um empresário de sucesso no sector do imobiliário e Donald frequentou sempre escolas privadas de Nova Iorque, incluindo a escola militar local. Tirou um degree em Economia, primeiro em Warthon e, depois, na Universidade da Pennsylvania. 

Terminados os estudos, Donald Trump empregou-se na empresa do pai, a Trump Management, e começou uma vida dedicada ao imobiliário. Primeiro, sob a alçada do pai e, mais tarde, de forma independente, o magnata tornou-se um nome incontornável na cena imobiliária de Nova Iorque e dos Estados Unidos. O seu sucesso é alvo de muita polémica e o seu império sofreu muitos altos e baixos, mas é indesmentível que, durante décadas, o nome Trump foi sinónimo de prosperidade e riqueza. 

O seu império, mas também as suas várias polémicas, tanto a nível profissional como pessoal, fizeram dele uma das grandes figuras da vida cor-de-rosa de Nova Iorque. Trump tornou-se um ícone da cultura popular norte-americana e, depois de ganhar fama no imobiliário, apostou forte no show business (quem não se lembra do seu cameo no Home Alone 2?). No início dos anos 2000, lançou o seu próprio reality show, o The Apprentice, que rapidamente se tornou um grande sucesso e duraria até ao seu protagonista chegar à Casa Branca. 

Depois dos negócios e do entretenimento, Trump procurou uma nova arena para brilhar e, naturalmente, virou-se para a política. Registado como republicano, apesar de ter contribuído para vários candidatos democratas - como os Clinton -, nunca se definiu propriamente como conservador. Como em tudo na sua vida, Donald procurava criar controvérsias, trazendo-se a si próprio para as luzes da ribalta. Foi assim, por exemplo, que, em 1988, se auto-proclamou como candidato a vice-presidente de George Bush ou que se tornou uma das principais vozes que acusavam Barack Obama de não ter nascido nos Estados Unidos e, por isso, não ser elegível para a presidência da nação norte-americana. 

Em 2000, chegou a ser candidato às primárias presidenciais do Partido Reformista, apenas para desistir pouco tempo depois. Mas o momento decisivo chegaria em 2011, num célebre jantar dos correspondentes da Casa Branca, em que marcou presença e em que foi alvo das piadas de Barack Obama. Visivelmente incomodado e sentindo-se publicamente humilhado, terá sido nessa ocasião que decidiu concorrer à Casa Branca para se vingar de Obama e dos democratas. Contudo, foi a partir daí que se assumiu definitivamente como republicano e conservador, tendo mesmo participado na CPAC e marcado presença nos primeiros estados a terem primárias. Estava a lançar as sementes que dariam frutos quatro anos mais tarde.

Em 2016, os republicanos tinham de decidir quem seria o seu candidato presidencial num ano em que os democratas deixavam de ter o popular Obama no boletim de voto. Com boas hipóteses de vitória, foram muitos e de nomeada os concorrentes republicanos, como, por exemplo, Jed Bush, Marco Rubio ou Ted Cruz. Todavia, esse ciclo eleitoral foi absolutamente tomado de assalto por Donald Trump, mesmo quando muitos (eu incluído) pensavam que a sua candidatura não era séria, mas apenas uma publicity stunt destinada a aumentar as audiências do seu reality show. 

Ao longo das primárias, foram caindo um a um os vários candidatos "anti-Trump" que se destacavam nas sondagens momentaneamente. No final, a nomeação foi para Donald e essa vitória haveria de transformar radicalmente o Partido Republicano, quiçá para sempre. Trump, com o seu discurso disruptivo e sem filtros, agradou a um grande segmento do eleitorado republicano, tornando-se o herdeiro e grande representante do movimento populista Tea Party. A partir daí, o GOP passou a ser o partido de Trump e os republicanos clássicos tornaram-se uma espécie em vias de extinção. 

Contudo, na eleição geral, Trump era visto como o underdog face à favorita Hillary Clinton. A antiga primeira-dama, senadora e secretária de estado, tinha um currículo impressionante, enorme experiência e contava com o Partido Democrata totalmente do seu lado (apesar de alguns ruidosos apoiantes de Bernie Sanders). Já Donald não tinha qualquer experiência política e era visto com muita desconfiança por parte do establishment republicano. Acossado por escândalos e atrás de Hillary nas sondagens, nem o próprio Trump acreditava na sua eleição. 

Aconteceu, porém, que Hillary Clinton demonstrou ser uma candidata sofrível, tendo cometido muitos erros de palmatória. Além disso, as sondagens subvalorizaram repetidamente as hipóteses de vitória de Donald Trump e os democratas apostaram recursos em estados que não teriam hipóteses de ganhar, descurando locais onde pensavam, erradamente, estar seguros. A poucos dias da eleição, a famosa carta de James Comey terá também sido decisiva e selou a vitória de Trump que se tornou, contra todas as expectativas, o 45º presidente dos Estados Unidos.

O seu mandato presidencial foi marcado, primeiro, pela desregulação, pela quebra de acordos e tratados e internacionais e até pela ameaça da retirada dos Estados Unidos da NATO. A boa prestação da economia norte-americana nos primeiros anos do seu mandato, haveria de ser totalmente revertida pela eclosão da COVID-19. A sua gestão da pandemia foi um verdadeiro desastre e isso poderá ter ditado a sua derrota nas eleições de 2020. Do seu mandato na Casa Branca, ficam ainda para a história os dois processos de impeachment que lhe foram movidos pela maioria democrata na Câmara dos Representantes - primeiro por ter, alegadamente, sugerido trocar favores políticos por armamento numa conversa telefónica com Vladimir Zelenksy e, depois, pelo seu papel na insurreição de 6 de Janeiro de 2021.

Vencido nas urnas por Joe Biden, Trump nunca assumiu a derrota, preferindo esconder-se atrás de teorias completamente infundadas, alegando que venceu a eleição e que esse triunfo lhe foi roubado por uma massiva fraude eleitoral. Assim, Trump evitava a assunção da derrota, algo que seria fatal para alguém que, como ele,  vê o mundo dividido entre vencedores e falhados. A reação violenta dos seus apoiantes haveria de tornar o 6 de Janeiro num dia infame. Na altura, pensou-se que Trump tinha ido longe demais e que estaria acabado para a política. Porém, o seu poder total sobre a sua falange de apoio não esmoreceu e o GOP resignou-se a esquecer o sucedido e a continuar a apoiar o seu líder. Ainda hoje, a maioria dos eleitores republicanos acredita na mentira da eleição roubada, prova de que Trump controla, ainda, o eleitorado e, consequentemente, o partido republicano. 

Agora, em 2024, Donald Trump tenta a reeleição para a Casa Branca. Se contra Joe Biden a vitória parecia certa, já face a Kamala Harris a conversa é outra e o triunfo incerto. Até ao momento, Trump mantém-se igual a ele mesmo, talvez ainda mais irascível e fora de controlo. A tentativa de assassinato a que sobreviveu deu-lhe ainda mais confiança e sente-se, agora, uma figura messiânica destinada a salvar os Estados Unidos. Ou, pelo menos, é isso que gosta de dizer, ao mesmo tempo que vende bíblias, relógios e todo o tipo de parafernália com o seu nome e cara para aumentar a sua riqueza pessoal.

Acossado por vários processos judiciais, tendo já sido declarado culpado num deles, Donald Trump precisa desesperadamente de ser eleito para, pelo menos, adiar a conclusão destes processos e, até, quem sabe, perdoar-se a si próprio através do poder presidencial. Com as sondagens a darem a corrida como empatada, a vitória está em dúvida, mas uma coisa é certa: Trump já entrou para a história como, porventura, a figura mais polarizadora da história dos Estados Unidos. 

domingo, 6 de outubro de 2024

Kamala Harris, no lugar certo e à hora certa


Kamala Devi Harris é a candidata democrata à Presidência dos Estados Unidos, após a histórica (e tardia) desistência do ainda presidente Joe Biden, que havia vencido as primárias do partido, praticamente sem oposição de relevo. Apesar de ter entrado tarde na corrida, Kamala teve um impacto imediato e rapidamente agregou o Partido Democrata em torno da sua candidatura à Casa Branca. 

Filha de uma imigrante indiana e de um jamaicano negro, Kamala nasceu em Oakland, na Califórnia e seguiu Direito, tendo estudado na histórica universidade afro-americana de Howard e na Universidade da Califórnia. E foi neste estado do Oeste americano que Harris fez carreira como prosecutor, primeiro como District Attorney de São Francisco e, mais tarde, como Attorney General do estado californiano. 

Em 2016, decidiu, sem surpresa, prosseguir a sua carreira na política, tendo concorrido para o cargo no Senado deixado vago pela consagrada senadora Barbara Boxer, eleição que venceu sem dificuldade. Na câmara alta do Congresso dos Estados Unidos, Kamala Harris cedo se destacou pelas suas posições progressistas, como na defesa pela legalização da cannabis ou do DREAM act. Contudo, foi principalmente nas audiências de confirmação de Brett Kavanaugh para o Supremo Tribunal que a então senadora ganhou notoriedade nacional. Na altura, utilizou a sua experiência como advogada de acusação para colocar o juiz Kavanaugh em sérias dificuldades, tanto que a sua confirmação para o Supremo esteve em dúvida mesmo até ao último momento.

Com a popularidade junto do eleitorado mais à esquerda em alta, Kamala decidiu candidatar-se à presidência em 2020 e era vista, no início desse ciclo eleitoral, como uma das principais favoritas a ser a nomeada democrata para enfrentar o então presidente Donald Trump. A sua campanha até começou bem e ficou famoso o debate em que usou a sua herança cultural para atacar Joe Biden e o seu passado no Senado, quando se dava amigavelmente com senadores republicanos sulistas (leia-se, racistas). Porém, o destaque que ganhou fez dela um alvo e nos debates que se seguiram foi atacada pelos seus adversários e o seu passado como prosecutor foi utilizado para a desacreditar junto do eleitorado mais progressista. Além disso, Harris, que nunca tinha participado numa eleição verdadeiramente competitiva, demonstrou não estar à vontade no trilho da campanha e foi perdendo momentum e apoios financeiros, até, eventualmente,  ter de desistir da candidatura e passar a apoiar Joe Biden para a nomeação democrata. 

Curiosamente, foi também um momento num debate das primárias democratas que estaria na origem da sua escolha como candidata à vice-presidência no ticket democrata, juntamente com Biden. Antes das primárias da Carolina do Sul, Joe Biden, na época quase afastado da luta pela nomeação democrata, anunciou no debate que antecedeu essa primária, que, caso fosse eleito, escolheria uma mulher afro-americana para a vice-presidência. Com essa promessa, Joe Biden tinha selado o endorsement do influente congressista da Carolina do Sul, James Clyburn, que carrega um enorme peso junto da comunidade afro-americana neste estado do sul dos Estados Unidos. Com Clyburn do seu lado, Biden venceu folgadamente as primárias do estado, conquistou o apoio do establishment democrata e garantiu a nomeação. Após a promessa que fez nesse debate, Harris foi sempre vista como a principal favorita para ser Veep de Biden, como acabaria por acontecer. 

Com a nomeação à vice-presidência garantida, Kamala Harris não se destacou de sobremaneira na campanha nacional de 2020, muito por culpa da pandemia de 2020. Cumpriu o seu papel no debate vice-presidencial face a Mike Pence, mas não deslumbrou e a sua fama como candidata medíocre em campanhas não desapareceu, mesmo após a vitória do ticket Biden/Harris que fez dela a primeira mulher na vice-presidência.

Na Casa Branca, Kamala ocupou um lugar de relativo destaque, tendo em conta que o papel do vice-presidente, sem funções executivas definidas pela Constituição, depende sempre do portfolio que lhe é atribuído pelo chefe de estado. Em especial, a vice de Biden foi mais relevante na política externa e na questão da imigração, tendo sido escolhida pelo Presidente para tentar resolver o problema da imigração ilegal na fronteira entre os Estados Unidos e o México.

O papel de um vice-presidente é sempre ingrato e os quatro anos de Kamala Harris na Casa Branca também não foram pacíficos. Com a avançada idade de Biden a assombrar as suas hipóteses da reeleição, o senior staff presidencial viu sempre a vice-presidente, bem mais jovem e enérgica, como uma ameaça à recandidatura do presidente octogenário. Não admira, por isso, que Kamala tenha ficado com a batata quente da questão da imigração, que nunca teria hipóteses de resolver, ou que saíssem constantes leaks da West Wing da Casa Branca que prejudicavam a sua imagem. 

No final, uma desastrosa prestação de Joe Biden no debate face a Trump e a enorme pressão por parte dos líderes democratas - com Nancy Pelosi a assumir a dianteira das manobras de bastidores -, levou à desistência do ainda Presidente que abdicou a favor da sua vice. Harris, herdeira da nomeação democrata sem ter de passar por primárias, assumiu a tocha do combate contra Trump e entusiasmou, de imediato, a base do Partido Democrata que voltou a acreditar numa vitória na eleição, algo que parecia já quase impossível dada a fragilidade de Biden. 

Apesar da tardia entrada na corrida, Kamala Harris tem quebrado com o passado e tem-se revelado uma boa candidata. Apesar dos problemas anteriores, manteve no lugar quase todo o staff da campanha de Biden e chamou David Plouffe, um dos grandes arquitectos das campanhas vitoriosas de Barack Obama, tendo conseguido uma transição pacífica e suave. Nos dois grandes momentos da campanha, o discurso de aceitação da nomeação e no debate frente a Trump, apresentou-se sem falhas e conseguiu duas grandes prestações. De menos positivo, até agora, apenas se lhe pode apontar ser pouco propensa para tomar riscos, como se pode ver no facto de evitar ao máximo a exposição ao media e na escolha do seu candidato a vice-presidente (continuo a achar que não escolher Josh Shapiro foi um erro). 

Kamala Harris tem, ao longo da sua vida, demonstrado uma enorme capacidade para se retransformar. Veja-se, por exemplo, que, em 2020, foi uma das candidatas mais progressistas nas primárias mais à esquerda da história do Partido Democrata para, em 2024, ser uma das nomeadas presidenciais democratas mais moderadas dos tempos modernos. Para alguns, isso representa inteligência e adaptabilidade, enquanto que, para outros, isso significará vazio ideológico e uma coluna cervical demasiado flexível.

Como se viu, fruto da sorte, das circunstâncias, ou da sua adaptabilidade, a história de vida de Kamala prova-nos que tem estado sempre no lugar certo à hora certa. Falta saber se a 20 de Janeiro de 2025, pelas 12 horas de Washington D.C. também estará no Capitólio, a prestar juramento como a primeira mulher presidente dos Estados Unidos da América. 

sábado, 5 de outubro de 2024

Os sete magníficos

Sim, ainda existem blogues e o Máquina Política é um desses dinossauros que sobrevivem à mudança dos tempos. Bem, pelo menos de quatro em quatro anos.

A exactamente um mês do dia das eleições nos Estados Unidos, o Máquina Política regressa da hibernação para acompanhar a mais importante, interessante e apaixonante eleição política do mundo, na opinião desta maquinista. 

Como não podia deixar de ser, o primeiro post sobre a corrida pela Casa Branca de 2024 é uma espécie de snapshot da disputa pelos 538 votos eleitorais que decidirão quem se sentará na Sala Oval a partir de 20 de Janeiro de 2025: Kamala Harris ou Donald Trump.

À imagem do que tem acontecido nas últimas duas eleições, em que Trump foi o candidato republicano, esta campanha pela presidência norte-americana está a ser marcada pelo equilíbrio e, neste momento, a corrida é um verdadeiro empate, sem que nenhum dos candidatos possa ser considerado favoritos. Se ouvirem ou lerem o contrário, trata-se apenas de wishful thinking, seja de um lado ou de outro.

Por causa do sui generis sistema eleitoral norte-americano, estas eleições serão decididas, como sempre acontece, num punhado de estados, já que em 43 dos 50 estados (sem contar com Washington DC, verdadeiro bastião democrata), o vencedor parece, à partida, mais ou menos decidido, salvo grandes surpresas ou erros de monta das sondagens. Se distribuirmos os votos eleitorais desses estados pelo seu presumível vencedor, percebemos que a vice-presidente Kamala Harris conta já com 226 votos eleitorais bem encaminhados e o ex-presidente Donald Trump tem 219 grandes eleitores relativamente seguros do seu lado. Ou seja, nenhum dos dois candidatos está perto de atingir o número mágico de 270 electoral votes necessários para a vitória. 

Assim sendo, as atenções estão viradas para os sete super swing states deste ciclo eleitoral: Wisconsin, Pennsylvania, Michigan, North Carolina, Georgia, Arizona e Nevada. Em qualquer um dos destes estados, o equilíbrio tem sido a nota dominante, com as sondagens a mostrarem empates técnicos em todos eles. Consequentemente, ambas as campanhas estão a apostar tudo nestes sete estados que decidirão, certamente, o vencedor da eleição presidencial.

Neste momento, e apesar de, segundo as sondagens, as diferenças entre Harris e Trump estarem, em todos estes estados, dentro da margem de erro, diria que, se tivesse de apostar, a candidata democrata terá uma minúscula vantagem no Michigan, no Nevada e no Wisconsin, enquanto Trump estará, por muito pouco, na frente na Georgia e no Arizona. Já na Pennsylvania e na North Carolina, ainda não arriscaria um favorito. 

Está, por isso, ainda tudo por decidir na corrida pela Casa Branca. Com o equilíbrio a ser a nota dominante, o mais provável é termos, de hoje a um mês, uma longa noite pela frente, sendo até provável que não seja a 5 de Novembro que ficaremos a saber quem sucederá a Joe Biden à frente dos destinos dos Estados Unidos da América. 

sábado, 7 de novembro de 2020

President-elect Joe Biden























Como se esperava, Joe Biden foi declarado, esta tarde, como o próximo presidente dos Estados Unidos, sucedendo a Donald Trump na Casa Branca. Até 20 de Janeiro, será o Presidente-elect e Kamala Harris a Vice-President-elect. A CNN foi a primeira cadeia noticiosa a quebrar o impasse e a atribuir a vitória na corrida a Biden, tendo sido seguida, pouca depois, por todas as outras.

Foram longas horas de espera, ainda que logo na manhã de quarta-feira fosse já possível antever um triunfo do democrata. Contudo, com a demora no processo de contagem de votos, apenas hoje, depois de Biden ter reforçado a sua liderança na contagem dos votos da Pennsylvania, as networks arriscaram anunciar a vitória do ex-vice-presidente.

Desfeitas as dúvidas, e com os resultados a serem conhecidos na sua totalidade, já será possível, nos próximos dias, fazer um balanço mais aprofundado à eleição que pôs todo o mundo a seguir a escolha do líder norte-americano durante quatro longos dias. Mas, agora, é altura de dizer simplesmente: Congrats, Mr. President-Elect!