Todavia, a sondagem de Ann Selzer no Iowa teve o condão de alterar completamente as minhas previsões. Com essa e outras sondagens no midwest a mostrarem Kamala Harris competitiva em estados que não se esperavam equilibrados, julguei que a democrata estivesse numa posição de vantagem, posição essa ocultada pelas sondagens preocupadas em não errarem novamente no resultado de Trump numa eleição presidencial. Não podia, porém, estar mais errado e, como sabemos agora, no final, o candidato republicano melhorou mesmo os seus resultados de 2016 e venceu Kamala Harris em toda a linha, juntando ainda à sua vitória a reconquista do Senado e, muito provavelmente, à manutenção do controlo da Câmara dos Representantes.
Conhecendo, agora, os resultados e analisando os dados disponíveis, sabemos que o triunfo de Trump foi de tal maneira dominador que os democratas passarão muito tempo a fazer a autópsia desta corrida para perceberem o que se passou e como foram capazes de perder uma corrida que pelo menos chegou a parecer estar ao seu alcance.
Em primeiro lugar, Donald Trump, apesar de muitas vezes ter fugido ao guião, foi eficaz na sua mensagem centrada na economia, no controlo da imigração e no reforço das segurança. Na verdade, Trump criou a oferta e a procura, pois apoiou a narrativa de um país com uma economia decadente, com uma imigração descontrolada e com as ruas inseguras e entregues ao crime, e prometeu resolver esses problemas com uma economia mais liberal, o fecho das fronteiras e deportações em massa que devolveriam os criminosos aos seus países de origem.
Com esta mensagem, Trump atraiu principalmente os homens, nomeadamente os mais jovens e de meia idade, que tendem a tornar-se mais conservadores e a procurarem alguém que personifique um líder forte. Ao mesmo tempo, o republicano também conquistou o apoio de muitos hispânicos, sensíveis a mensagens económicas, pois muitos deles são small business owners, e onde o tema de controlo da imigração já não é contraproducente, pelo contrário, porque já temem que novos imigrantes venham tomar os seus empregos.
Mas Donald Trump conseguiu melhores resultados com todos os segmento do eleitorado e em todos os pontos do país. O seu apoio nas zonas rurais ainda foi mais esmagador, conseguiu estancar a perda das regiões suburbanas que lhe custaram a eleição de 2020 e melhorou substancialmente nas cidades. Por exemplo, no Bronx, um dos maiores bastiões democratas do país, Trump passou de single digits, há quatro anos, para cerca de um terço dos votos nesta eleição, o que demonstra os inroads que fez mesmo nos locais que lhe eram mais desfavoráveis.
Um factor chave para a vitória do magnata do imobiliário foi a incapacidade de os democratas conseguirem demonstrar e provar ao eleitorado indeciso que o primeiro mandato de Trump na Casa Branca foi negativo. De facto, os eleitores parecem ter excelentes recordações dos anos da administração Trump, em especial no que à economia diz respeito, e não culpam o actual presidente-eleito pelas centenas de milhares de mortes por covid-19 e pelo colapso económico provocado pela economia.
Além disso, a normalização de Trump é agora total. Em relação a 2016 e 2020, o republicano tem taxas de favorabilidade bem mais aceitáveis, ainda que em terreno negativo. É evidente que a tentativa de assassinato terá ajudado a suavizar a sua imagem, mas os americanos parecem já ter entranhado completamente o comportamento de Donald Trump, capaz de atitudes completamente inaceitáveis para qualquer outro candidato presidencial no passado e de ataques e insultos sem quaisquer filtros aos seus adversários. Mas, por agora, essa aceitação é apenas um exclusivo de Trump. Veja-se, por exemplo, a reacção de choque e de condenação generalizada quando Joe Biden pareceu apelidar de lixo os apoiantes de Donald Trump.
Por sua vez, também os democratas têm responsabilidades na copiosa derrota que sofreram. Apesar de Kamala Harris ter sido uma candidata competente e de ter batido Trump no único debate presidencial, a verdade é que Joe Biden poderá ter custado a eleição ao seu partido. Se tivesse cumprido a alegada promessa de não se candidatar a um segundo mandato, teriam existido eleições primárias e talvez tivesse surgido um candidato com mais hipóteses de bater Trump e menos ligado à sua administração do que a sua vice-presidente.
Com a desistência de Biden a poucos meses da eleição, e apenas após pressão de líderes democratas como Nancy Pelosi e Barack Obama, Kamala Harris teve pouco tempo para se preparar e, apesar do entusiasmo que a sua entrada na corrida gerou, não foi capaz de ultrapassar o handicap com que partiu. Se é verdade que fez uma campanha bastante positiva, também não podemos deixar de referir que não foi capaz de se descolar suficientemente da imagem de um Biden muito impopular. Fica na memória, por exemplo, a oportunidade perdida no programa The View, da ABC, quando não conseguiu referir nada que tivesse feito diferente de Joe Biden.
Estas são pelo menos algumas das razões que voltaram a levar Donald Trump para a Casa Branca, desta vez sem que este pusesse em causa a legitimidade da eleição. Contudo, em 2028, Trump já não estará no boletim de voto e deveremos ter a eleição mais aberta das últimas décadas. Será a primeira eleição sem Trump ou Obama em 20 anos e será muito interessante perceber se os republicanos seguem o legado Trump, ou se voltam a um perfil mais tradicional, e se os democratas mudam de rumo e tentam voltar a ser o partidos dos trabalhadores. Seja como for, tudo isso dependerá de como correrem os próximos quatro anos, novamente com Donald Trump na Casa Branca.